Anunciação - Leonardo da Vinci |
Por
Jânsen
Leiros Jr
Revisado
e ampliado em 15/04/2024
"26 Então, no sexto mês, Deus enviou o anjo Gabriel para Nazaré, uma cidade da Galiléia, 27 a uma virgem prometida em casamento a certo homem chamado José, descendente de Davi. E o nome da virgem era Maria. 28 O anjo chegou ao lugar onde ela estava e ao se aproximar lhe declarou: “Alegra-te, mui agraciada! O Senhor está contigo!” 29 Diante de tais palavras, Maria ficou intrigada, imaginando qual poderia ser o motivo daquele tipo de saudação. 30 Mas o anjo lhe revelou: “Maria, não temas; pois recebeste grande graça da parte de Deus. 31 Eis que engravidarás e darás à luz um filho, a quem chamarás pelo nome de Jesus. 32 Ele será Grande, e será chamado Filho do Altíssimo. O Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi, 33 e Ele reinará para sempre sobre o povo de Jacó, e seu Reino nunca terá fim”. 34 Então, perguntou Maria ao anjo: “Como acontecerá isso, pois jamais tive relação sexual com homem algum?” 35 Então o anjo lhe esclareceu: “O Espírito Santo virá sobre ti, e o poder do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra. E por esse motivo, o ser que nascerá de ti será chamado Santo, Filho de Deus. 36 Saiba também que Isabel, tua parenta, dará à luz a um filho mesmo em idade avançada, sendo que este já é o sexto mês de gestação para aquela a quem julgavam estéril. 37 Porquanto para Deus não existe nada que lhe seja impossível!” 38 Diante disso, declarou Maria: “Eis aqui a serva do Senhor; que se realize em mim tudo conforme a tua palavra!” Em seguida o anjo partiu."
Lucas 1:26-38 - KJA
Apenas para firmarmos conceito e
deixarmos definitivamente claro que Lucas não usará de argumentos para declarar
sua teologia, mas o fará sempre baseado em fatos e diálogos, notem que ele
segue esse princípio que vimos falando desde o primeiro exercício. Ao destacar
que Nazaré é uma cidade da Galiléia[1],
ele claramente explicita, ainda que não pretendendo explicar, que o público
para quem ele escreveu não conhecia a região. Portanto obviamente não-judeus.
Ele usará esse estilo por toda a sua narrativa, e o utilizará também ao
escrever Atos dos Apóstolos.
Deus enviou o anjo. Lucas quer deixar claro o envolvimento de Deus na concepção de Jesus. E ele o faz detalhando que o anjo da anunciação foi enviado por Deus. Isso não é um mero detalhe. Da mesma forma que Moisés na narrativa da criação se esforça para envolver Deus em todo exercício criador, retirando da sua narrativa qualquer possibilidade de que o acaso pudesse ter contribuído na formação do universo, ou ainda qualquer outro deus adorado à época, Lucas vai reafirmar, sempre que oportuno, que Deus esteve envolvido em todo o processo de redenção, garantindo que fosse cumprido seu propósito e fim.
Maria era virgem e prometida em casamento. Isso era relevante esclarecer. Primeiro porque rechaçava qualquer possibilidade de que Maria tivesse concebido de outro homem; havia punição de morte tanto à mulher comprometida quanto ao homem que com ela tivesse se deitado nesse estágio de compromisso matrimonial[2]. Na narrativa Maria dirá que não tem como conceber, pois não se relacionou sexualmente com homem algum. Ora, não sendo filho natural de qualquer homem, Jesus seria a descendência da mulher[3], cumprindo-se a profecia contida ainda nos primeiros capítulos de Gênesis. A concepção virginal, porém, tem aspectos teológicos interessantes, que deverão ser detalhados no próximo Exercício, onde Maria terá papel ainda mais relevante. Por hora, sigamos.
Apontar para o fato de Maria ser descendente do rei Davi, é também outra preocupação clara de Lucas. Ele busca estabelecer a legitimidade de Jesus ser o Rei do Judeus, o detentor de uma coroa incorruptível e eterna. Nem mesmo Herodes o Grande poderia impedir que ele a colocasse sobre sua cabeça, ainda que, preocupado com uma eventual disputa pelo trono da Judéia, determinasse a morte das crianças com dois anos de idade ou menos, evento que ficou conhecido como a matanças do inocentes[4], fato retratado ao longo da história por grandes mestres da pintura[5]. O Messias, dizia a profecia, viria da raiz de Davi[6] e como seu filho seria conhecido. Mesmo sendo descendência da mulher, sendo essa mulher descendente de Davi, estava a profecia cumprida.
Notem que Maria se intriga com a chegada do anjo, muito mais pelo que ele diz, do que propriamente com sua aparição. Nem Maria e nem Lucas. Apesar de nascido e criado em uma cultura gentílica, parece que ele também não está preocupado que seus leitores possam se intrigar com a aparição de um anjo, o que sugere que tal fato é completamente plausível e aceito tanto para personagem e escritor, quanto para seus leitores. Isso é ainda mais flagrante, porque Lucas não se ocupa em esclarecer nada a esse respeito. O incômodo gerado na conversa entre Maria e o anjo, girou apenas em torno de sua saudação a ela, e não por qualquer medo ou susto sofrido com sua presença. Esse fato muito se assemelha a aparição dos anjos que foram até Abrãao e a Ló, nos encontros narrados em Gênesis[7], onde nem um nem outro se assustou com a presença de tais seres, tratando-lhes, ainda que com certa deferência, com total naturalidade. Eles não demonstraram qualquer assombro. Mesmo o povo de Sodoma não viu neles nada que lhe intimidasse. Outro assunto para detalharmos em outra oportunidade, não? O faremos oportunamente.
O anúncio da concepção segue. Agora o anjo ocupa-se em persuadir Maria de que, não obstante sua virgindade, a exemplo do milagre operado em sua parente Isabel que concebeu mesmo considerada estéril, a vontade de Deus não seria frustrada. Quando Deus quer nada o impede, pois não há impossíveis para Deus[8]. De certa forma o argumento do anjo cala e apazigua o coração de Maria, pois ela não recalcitra; pelo contrário, acata. Mais do que isso, ela se submete, sem nem mesmo argumentar quanto aos riscos que tal circunstância poderia lhe trazer. Sim, porque a situação seria complicada demais. O que fariam com ela quando descoberta sua gravidez estando ela prometida a José. E José, o que faria de seu direito legítimo de repudia-la? E repudiada, caso escapasse de apedrejamento já que não seria pega em flagrante adultério, como viveria uma vez alijada e à margem da sociedade nazarena? Qual seria o seu futuro e o futuro daquela criança cujo nascimento acabara de ser anunciado?
Alguns estudiosos argumentam que Maria havia se interessado pela promessa feita pelo anjo nos versículos 32 e 33. E por isso então ela só ficou intrigada em como isso poderia acontecer, não tendo ela ainda conhecido qualquer homem. Pode ser. Mas se considerarmos que o contra-argumento do anjo aponta para a fé e não para recompensas pessoais, e que ele antecipa o que se passou com Isabel apesar de ser considerada estéril, Maria se preocupou sim com os desdobramentos do que foi anunciado, dadas as suas circunstâncias; virgem e prometida. Porém jamais descreu no anúncio que lhe foi feito. Ela sabia o que poderia acontecer. Havia efetivo risco de vida. O anjo se apressou em comparar a condição anterior de humilhação de Isabel, deixando evidente que Deus tão pouco permitiria a sua humilhação; para Deus não há impossíveis. A submissão de Maria à vontade de Deus, portanto, vem de sua confiança no cuidado de Deus e não de seu interesse pessoal. A declaração do anjo nos versículos 32 e 33, contudo, lhe causarão dificuldades mais adiante, já perto, durante e após a morte de Jesus.
Lucas termina essa seção de sua narrativa com a disponibilidade incondicional de Maria em realizar a vontade de Deus. Por fé ela se coloca pronta a passar por tudo o que tiver que passar, para que Deus realizasse seu propósito. A exemplo de Zacarias e Isabel, mais um personagem envolvido no início da narrativa de Lucas se dispôs a esperar contra a esperança. Creu no inacreditável, e a agiu com a convicção de que a promessa de Deus jamais deixará de se cumprir. Que os nossos corações sejam sempre firmes, em confiança e coragem, esperando confiada e pacientemente o cumprimento das promessas do Senhor. Eis-nos aqui.
[1]
A Galileia era uma região situada no nordeste de Israel. Era uma província mais
ampla que incluía diversas cidades e vilarejos, além de uma área rural. Nazaré
era uma pequena cidade que ficava na região montanhosa daquela província.
A economia tanto em Nazaré
quanto na Galileia inteira, era predominantemente agrícola, com muitos dos seus
habitantes envolvidos em atividades como agricultura, criação de gado e pesca
junto ao Mar da Galileia, bem como o cultivo de oliveiras, vinhas e cereais.
Historicamente, essas
regiões não pontuavam no cenário político-religioso. Nazaré era uma cidade
relativamente pequena e pouco relevante, enquanto a Galileia era vista como uma
região periférica do território judaico, com uma população diversificada de
judeus e gentios.
No entanto, tanto Nazaré
quanto a Galileia ganharam importância histórico-religiosa com o surgimento do
cristianismo. Nazaré tornou-se conhecida como o local de origem de Jesus Cristo
e sua família, enquanto a Galileia foi o cenário onde Jesus passou a maior
parte de seu ministério público, realizando milagres, ensinando e reunindo
seguidores. Essa região foi fundamental no desenvolvimento inicial do
cristianismo e na propagação de sua mensagem.
[2]
Na lei judaica, a punição para uma mulher prometida em casamento que se
deitasse com outro homem era a pena de morte por apedrejamento, conforme
prescrito em Deuteronômio 22:23-24.
Para o homem que se
deitasse com uma mulher prometida em casamento, a punição também era a pena de
morte por apedrejamento, conforme estabelecido no mesmo trecho da lei. A
igualdade na punição reflete a seriedade com que o adultério era encarado na
sociedade judaica e a proteção do casamento e da instituição da família.
[3] Gênesis 3:15
[4] Mateus 2:16-18
[5]
Um dos artistas famosos que retrataram o "Massacre dos Inocentes" em
pintura foi o pintor renascentista italiano Tintoretto, cuja obra "O
Massacre dos Inocentes" é uma das representações mais conhecidas desse
evento bíblico. Outro artista famoso que abordou esse tema foi o pintor
flamengo Pieter Bruegel, o Velho, em sua obra "Massacre dos
Inocentes", que é considerada uma das obras-primas do Renascimento flamengo.
[6]
Alguns textos bíblicos que afirmam que o Messias viria da descendência de Davi
incluem:
1.
2 Samuel 7:12-13 - Neste texto, Deus promete a
Davi que estabelecerá um descendente dele para reinar para sempre.
2.
Isaías 11:1 - Este versículo profetiza que um
rebento sairá do tronco de Jessé, pai de Davi, e um renovo brotará das suas
raízes.
3.
Jeremias 23:5-6 - Aqui, o profeta Jeremias
prediz que um descendente justo surgirá de Davi para reinar como rei sábio e
justo.
4.
Mateus 1:1 - O Evangelho de Mateus inicia com a
genealogia de Jesus Cristo, filho de Davi, mostrando sua ligação com a linhagem
de Davi.
[7]
Gênesis 18:1-33; 19:1-29
[8]
Jeremias 32:17