quarta-feira, 23 de março de 2016

Exercício 012 - Tentando morreu um burro


Por Jânsen Leiros Jr


"1 Pleno do Espírito Santo, retornou Jesus do Jordão e foi conduzido pelo Espírito ao deserto, 2 onde enfrentou as tentações do Diabo por quarenta dias. Durante todos esses dias não comeu nada e, ao fim desse período, estava faminto. 3 Indagou-lhe, então, o Diabo: “Se tu és o Filho de Deus, ordena que esta pedra se transforme em pão”. 4 Mas Jesus lhe contestou: “Está escrito: ‘Nem só de pão viverá o ser humano’”.
5 Então o Diabo o levou a um lugar muito alto e lhe mostrou, em uma fração de tempo, todos os reinos do mundo. 6 E lhe propôs: “Eu te darei todo o poder sobre eles e toda a glória destes reinos, porque me foram entregues e tenho autoridade para doá-los a quem bem entender. 7 Portanto, se prostrado me adorares, tudo isso será teu!” 8 Contudo Jesus lhe afirmou: “Está escrito: ‘Ao Senhor teu Deus adorarás e só a Ele darás culto’”.
9 Em seguida o Diabo o levou para Jerusalém, e o colocou sobre a parte mais alta do templo e o desafiou: “Se tu és o Filho de Deus, lança-te daqui para baixo. 10 Pois, como está escrito: ‘Aos seus anjos ordenará a teu respeito, para que te protejam; 11 eles te sustentarão sobre suas mãos para que não batas com teu pé contra alguma pedra’”. 12 Repreendeu-lhe Jesus: “Dito está! ‘Não tentarás o Senhor teu Deus’”.
13 E assim, tendo concluído todo o tipo de tentação, o Diabo afastou-se dele até o tempo oportuno.”
Lucas 4:1-13 - KJA

Já dissemos anteriormente que o batismo, a genealogia e a tentação de Jesus formam um conjunto que marca o início do seu ministério. Falamos que o seu batismo apresenta o testemunho de Deus sobre quem é Jesus e a evidente unção que está sobre ele. Também falamos que a citação de sua genealogia o confirma humano, uma vez que declara sua ascendência familiar. O episódio da tentação, contudo, traz a contundente e importante revelação de que a Jesus tem plena convicção de quem é e do papel de desempenhará na redenção da humanidade. Isso se confirmará na sequência do capítulo quatro, quando ele mesmo afirmará isso na sinagoga de Nazaré ao ler o texto de Isaías.

Isolando a tentação nesse exercício, ainda que não pretendamos ser tão específicos, podemos e até devemos fazer algumas perguntas preliminares, que certamente poderão ajudar-nos na compreensão do contexto dessas três tentações na narrativa de Lucas, deixando de lado, num primeiro momento, o fato de também terem sido incluídas nas narrativas de Mateus e de Marcos, ainda que em uma ordenação diferente.

Uma primeira e inevitável pergunta seria por quê? Ou seja, qual motivo teria levado os evangelistas a isolarem um momento específico de tentação, uma vez que, a exemplo do que passamos em nossas vidas cotidianas, as tentações ocorrem todo o tempo em que estamos conscientes? Melhor. Tendo Jesus estado sozinho no deserto, ele mesmo deve ter contado o ocorrido a seus discípulos e pontuado essas três tentações especificamente. E por que essas três e não quatro ou duas? Aliás, poderíamos começar com uma pergunta ainda mais primordial: Por que Jesus precisou ser tentado? Houve algum divino propósito nisso? Chega de perguntas, vamos ao exercício.

Antes de mais nada é preciso ressaltar que Lucas tem em mente confirmar que Jesus é o Filho de Deus. Desde o seu nascimento, passando por sua adolescência e batismo, ele apresenta amplo e variado testemunho disso. E era importante que ficasse claro para o destinatário de seu evangelho, que tudo que este iria ler à frente, seria uma narrativa dos discursos e feitos realizados por quem tinha autoridade para realizar e dizer tudo o que seria apresentado.

Notem que Jesus é conduzido ao deserto não por acaso, mas impelido pelo Espírito de Deus. Portanto o deserto foi propositalmente incluído como momento de preparação para o fortalecimento de Jesus como ungido de Deus. Pode soar estranho para alguns, mas Jesus é nosso exemplo em tudo, e o é também no que se refere a preparação para uma missão. Aliás, deserto sempre está ligado a preparação por todo o texto bíblico. Mas existia um detalhe a mais; Jesus precisava agir na contramão de Adão.

Se voltarmos a narrativa ao instante imediatamente seguinte ao batismo, onde uma voz do céu testifica que Jesus é o Filho de Deus em quem Ele se compraz, perceberemos que durante a tentação Jesus será instigado a duvidar disso, auto-afirmando-se com atitudes que acabariam por denunciar sua dúvida; se tu és o Filho de Deus... Tal dúvida não recairia propriamente sobre o que ele era, mas principalmente sobre o que Deus havia afirmado sobre ele, Jesus. Ou seja, o diabo esperava que Jesus duvida-se de Deus, a exemplo do que fizera com Eva e com Adão no Éden; certamente não morrereis[1].

Sendo assim, como por meio da desobediência de um só homem muitos se tornaram pecadores, assim também, por intermédio da obediência de um único homem, muitos serão feitos justos[2]. Ora, a obediência de Jesus inaugura e legitima seu ministério. Não que esse tenha sido seu único ato de obediência, uma vez que tal obediência se estendeu por toda sua vida até a cruz. Mas no deserto, diante da tentação direta, Jesus demonstra sua disposição de cumprir o resgate da humanidade, sendo em tudo obediente a Deus.

Quanto as tentações, são descritas apenas três que irão representar os impulsos pertinentes ao ser humano que, na busca de satisfazê-los, desprezam sem pestanejar a instrução de Deus. Jesus então é confrontado exatamente nesses três aspectos; o sustento do corpo, o sentido da vida, e a vaidade da alma. É provável que as tentações a que se submetera o Senhor, não tenham se restringido aos narrados, uma vez que o próprio texto se inicia dizendo que Jesus enfrentou as tentações do Diabo por quarenta dias, e conclui afirmando que Jesus sofrerá todo o tipo de tentação. Porém, o mais notável e comum às três tentações, é que em todas elas Jesus usou como resistência e por assim dizer, segurança, o conhecimento e a convicção nas Escrituras; Está escrito.

O Diabo afastou-se dele até o tempo oportuno. Embora os líderes religiosos passassem todo o tempo provando Jesus em suas convicções e princípios, tais provações não implicam em tentações, pois nelas estavam em jogo não o seu caráter de santidade, mas suas réguas doutrinárias e o cumprimento irrestrito dos ritos da lei e da tradição religiosa judaica. Portanto as investidas do diabo se seguiram pontuais e decisivas, potencializando-se até a cruz.  

Há quem defenda que Jesus não foi tentado, mas tal anularia sua obediência em santidade, pois se não tiver sido tentado, obediente também não foi; anulado estaria seu sacrifício. Ora, Jesus resistiu a tudo por obediência, e tendo-nos amado, amou-nos até o fim[3]. Em tudo sendo obediente até a morte, e morte de cruz[4]. Sua determinação em nos resgatar expressa seu amor por nós de um jeito inquestionável, pois resistindo a toda sorte de reais tentações, derrotou o pecado e a morte, nos transportando para o reino de Deus.
ASSISTA O VÍDEO




[1]  Gênesis 3:4
[2]  Romanos 5:19
[3]  João 13:1
[4]  Filipenses 2:8

segunda-feira, 14 de março de 2016

Exercício 011 - ... e você, filho de quem?


Por Jânsen Leiros Jr


"23 Ora, Jesus, ao começar o seu ministério, tinha cerca de trinta anos; sendo (como se cuidava) filho de José, filho de Eli; 24 Eli de Matate, Matate de Levi, Levi de Melqui, Melqui de Janai, Janai de José, 25 José de Matatias, Matatias de Amós, Amós de Naum, Naum de Esli, Esli de Nagai, 26 Nagai de Maate, Maate de Matatias, Matatias de Semei, Semei de Joseque, Joseque de Jodá, 27 Jodá de Joanã, Joanã de Resa, Resa de Zorobabel, Zorobabel de Salatiel, Salatiel de Neri, 28 Neri de Melqui, Melqui de Adi, Adi de Cosão, Cosão de Elmodã, Elmodão de Er, 29 Er de Josué, Josué de Eliézer, Eliézer de Jorim, Jorim de Matate, Matate de Levi, 30 Levi de Simeão, Simeão de Judá, Judá de José, José de Jonã, Jonã de Eliaquim, 31 Eliaquim de Meleá, Meleá de Mená, Mená de Matatá, Matatá de Natã, Natã de Davi, 32 Davi de Jessé, Jessé de Obede, Obede de Boaz, Boaz de Salá, Salá de Nasom, 33 Nasom de Aminadabe, Aminadabe de Admim, Admim de Arni, Arni de Esrom, Esrom de Farés, Farés de Judá, 34 Judá de Jacó, Jacó de Isaque, Isaque de Abraão, Abraão de Tará, Tará de Naor, 35 Naor de Seruque, Seruque de Ragaú, Ragaú de Faleque, Faleque de Eber, Eber de Salá, 36 Salá de Cainã, Cainã de Arfaxade, Arfaxade de Sem, Sem de Noé, Noé de Lameque, 37 Lameque de Matusalém, Matusalém de Enoque, Enoque de Jarede, Jarede de Maleleel, Maleleel de Cainã, 38 Cainã de Enos, Enos de Sete, Sete de Adão, e Adão de Deus”
Lucas 3:23-38 - JFA

Tanto o batismo de Jesus, quanto o relato de sua analogia e logo depois sua tentação no deserto, marcam na narrativa de Lucas o começo do ministério de Jesus, destacando alguns aspectos importantes, que sustentarão diversas condições e circunstâncias em todo o restante do seu evangelho.

Se o batismo evidenciou que Jesus e não João era o Messias, o Filho de Deus, o ungido aguardado, a nomeação de sua analogia apontará para uma humanidade extremamente necessária na compreensão de sua existência. Isso porque Teófilo, para quem está endereçado o evangelho de Lucas, sendo de cultura grega, obviamente está familiarizado com os semideuses mitológicos, cujos feitos extraordinários em suas histórias, deviam-se à sua natureza em parte divina. Lucas precisava reafirmar tantos a humanidade plena de Jesus, de genealogia sabidamente humana em todos os seus ancestrais até Adão, bem como sua total dependência da atuação do Espírito de Deus nele e por ele.

Há algumas divergências entre a genealogia elaborada por Lucas, se comparada a genealogia descrita por Mateus em sua narrativa. Embora haja coincidência dos nomes de Abraão até Davi, é muito difícil entender por quais razões, a partir do rei Davi, um toma o caminho da linhagem de José, no caso de Mateus, e o outro o de Maria, no caso de Lucas. Talvez esse último quisesse reafirmar o nascimento virginal de Jesus,  ma vez que José, sabidamente pai de Jesus, é colocado como filho de Eli, pai de Maria, como "filho" adotivo devido ao seu casamento.

Qualquer que tenha sido o mote exato, contudo, é claro e relevante que seguindo a genealogia em retrocesso até Adão, homem gerado por Deus diretamente e sem pai terreno, Jesus é apontado como o novo Adão. Isso sustentará mais tarde a teologia premente em todo o Novo Testamento, que coloca Jesus como o segundo Adão, comparando suas posições de convergência na história da humanidade, onde se por um entrou no mundo o pecado, por outro se teve acesso à salvação[1].

Em última análise, é impressionante perceber que por mais desnecessário que possa parecer, mesmo uma genealogia pode trazer embutidas importantes revelações aos nossos corações, demonstrando em detalhes supostamente desprezíveis, o cuidado de Deus em esclarecer a redenção que disponibiliza a toda humanidade. Pois se tantos, em sequência, são filhos uns de outros, a partir de Jesus todos podem, no fim, tornarem-se filhos de Deus. E você, o que está esperando?



[1]  Romanos 5:19

quarta-feira, 9 de março de 2016

Exercício 010 - Ele e não eu


Por Jânsen Leiros Jr


"15 Ora, estando o povo em expectativa e arrazoando todos em seus corações a respeito de João, se porventura seria ele o Cristo, 16 respondeu João a todos, dizendo: Eu, na verdade, vos batizo em água, mas vem aquele que é mais poderoso do que eu, de quem não sou digno de desatar a correia das alparcas; ele vos batizará no Espírito Santo e em fogo. 17 A sua pá ele tem na mão para limpar bem a sua eira, e recolher o trigo ao seu celeiro; mas queimará a palha em fogo inextinguível.  
18 Assim pois, com muitas outras exortações ainda, anunciava o evangelho ao povo. 19 Mas o tetrarca Herodes, sendo repreendido por ele por causa de Herodias, mulher de seu irmão, e por todas as maldades que havia feito, 20 acrescentou a todas elas ainda esta, a de encerrar João no cárcere.  
21 Quando todo o povo fora batizado, tendo sido Jesus também batizado, e estando ele a orar, o céu se abriu; 22 e o Espírito Santo desceu sobre ele em forma corpórea, como uma pomba; e ouviu-se do céu esta voz: Tu és o meu Filho amado; em ti me comprazo.”
Lucas 3:15-22 - JFA

Sendo a pregação de João tão veemente, e a expectativa por um Messias tão presente no contexto daquela sociedade, Lucas se ocupou em delinear claramente que ele, João, não era o Cristo aguardado. E ele estabeleceu essa diferença a partir do tipo de batismo que realizava, comparando com o tipo de batismo que viria a ser exercido por Jesus, esse sim o Messias esperado.

Eu, na verdade, vos batizo em água, mas vem aquele que é mais poderoso do que eu. Lucas inclui a fala do próprio João propositadamente, pois isso esclarece que não só o profeta tinha total consciência de seu papel como antecessor de Jesus, mas também evita qualquer mal entendido que supusesse que João tivesse se autodenominado Messias.

Há um outro detalhe interessante. Eu, na verdade, vos batizo em água. Essa frase denota que o próprio João esclarece o caráter meramente simbólico do ato de batizar-se, desmistificando que algo de sobrenatural acontecesse nesse ato. Isso fica claro quando ele compara o seu batismo com o batismo de Jesus, por cujo Espírito será exterminada toda a palha.

Como profeta que era, e no melhor estilo de Elias, João, além de apregoar a iminente chegada do Messias, apontava as maldades de Herodes, entre as quais relacionava a de possuir a mulher de seu irmão Filipe[1]. Motivado por essa e outras acusações, Herodes utilizou de seu poder e prendeu João, acrescentando mais essa loucura a todas as outras.

O momento do batismo de Jesus é pontuado como mais uma e determinante diferença entre ele e João. Tu és o meu Filho amado; em ti me comprazo. Não é outro o Messias senão Jesus de Nazaré. Ele é o Cristo. Ele é o redentor no mundo. Por ele vem a salvação a todos os povos. Sim, Jesus é o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo; o cordeiro sem mácula.

Mas aqui cabe uma provocação. Se o batismo de João tinha um cunho de batismo de arrependimento, porque é que Jesus se batizou? E se o batismo de João era simbólico e sem efeito sobrenatural, porque sendo Jesus batizado, sobre ele desceu o Espírito Santo, como efeito desse evento?

Ora, Não podemos esquecer que Jesus não nasceu com trinta anos. Como um judeu comum, viveu sua infância e juventude junto à sua comunidade, envolvido com tudo o que dizia respeito à vida cotidiana de sua gente. Aprendera a profissão de José de quem era sabidamente filho, como era próprio naquela sociedade. De modo que até os trinta anos Jesus tinha uma vida comum, embora fosse possível que existisse algum destaque, a exemplo do que acontecera aos treze anos, no templo em Jerusalém. Mas tanto seu dia a dia era comum, que ao falar na sinagoga em Nazaré e mesmo em outras ocasiões, os que lhe ouviram se perguntavam se não era ele aquele menino filho de José, o carpinteiro[2]. Jesus era reconhecidamente comum e igual a todos de sua idade.

Portanto, tendo Jesus uma vida comum anterior ao seu ministério, o seu batismo tem um caráter inaugurador de uma nova fase, em que suas obrigações sociais e familiares ficaram para trás. A partir daquele momento ele estaria total e exclusivamente voltado para o propósito de sua vida, direcionando para tal propósito todas as suas decisões e atitudes. Por isso o Espírito Santo desceu sobre ele, pois para dar cabo de sua missão, seria necessário estar pleno do Espírito de Deus, por meio de quem opera todos os milagres e prodígios que o distinguirá entre todos antes e depois dele.

Do seu batismo em diante, Jesus assume o protagonismo da narrativa de Lucas, não dividindo mais a cena com mais ninguém. Todos os fatos se desenrolam a partir dele e de sua centralidade, assim permanecendo mesmo depois de sua crucificação. Assim a plenitude do Espírito em Jesus é que garante o sucesso de sua missão. Ele se dá a isso e se prepara para isso. Sua entrega é total.



[1]  Marcos 6:17
[2]  Lucas 4:22; João 6:42; Marcos 6:3