segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Exercício 014 - Reconhecido por inimigos


Por Jânsen Leiros Jr


"31 E desceu a Cafarnaum, cidade da Galiléia, e os ensinava nos sábados. 32 E admiravam a sua doutrina porque a sua palavra era com autoridade. 33 E estava na sinagoga um homem que tinha o espírito de um demônio imundo, e exclamou em alta voz, 34 Dizendo: Ah! Que temos nós contigo, Jesus Nazareno? Vieste a destruir-nos? Bem sei quem és: O Santo de Deus. 35 E Jesus o repreendeu, dizendo: Cala-te, e sai dele. E o demônio, lançando-o por terra no meio do povo, saiu dele sem lhe fazer mal. 36 E veio espanto sobre todos, e falavam uns com os outros, dizendo: Que palavra é esta, que até aos espíritos imundos manda com autoridade e poder, e eles saem? 37 E a sua fama divulgava-se por todos os lugares, em redor daquela comarca.
38 Ora, levantando-se Jesus da sinagoga, entrou em casa de Simão; e a sogra de Simão estava enferma com muita febre, e rogaram-lhe por ela. 39 E, inclinando-se para ela, repreendeu a febre, e esta a deixou. E ela, levantando-se logo, servia-os.
40 E, ao pôr do sol, todos os que tinham enfermos de várias doenças lhos traziam; e, pondo as mãos sobre cada um deles, os curava. 41 E também de muitos saíam demônios, clamando e dizendo: Tu és o Cristo, o Filho de Deus. E ele, repreendendo-os, não os deixava falar, pois sabiam que ele era o Cristo.
42 E, sendo já dia, saiu, e foi para um lugar deserto; e a multidão o procurava, e chegou junto dele; e o detinham, para que não se ausentasse deles. 43 Ele, porém, lhes disse: Também é necessário que eu anuncie a outras cidades o evangelho do reino de Deus; porque para isso fui enviado. 44 E pregava nas sinagogas da Galiléia.
Lucas 4:31-44 - KJA

O restante do capítulo 4 é uma continuação de nosso último exercício, mas que ao mesmo tempo estabelece uma antítese de comportamento entre aqueles que circunstanciaram Jesus nos dois cenários. Também no trecho acima, Lucas inaugura a narrativa dos diversos milagres de Jesus, sendo esses os primeiros de uma lista de vinte e um milagres narrados em seu evangelho. Diferente dos judeus de Nazaré que o quiseram jogar do abismo, os de Cafarnaum quiseram detê-lo para que de lá não saísse.

A comparação de reação entre a população das duas regiões é inevitável. Quem ele pensa que é disseram os de Nazaré, sentindo-se afrontados com o que consideraram blasfemo e impossível de ser verdade. Já os de Cafarnaum, cidade da Galiléia, região por onde Jesus já havia andado quando de seu retorno do deserto, acataram seu messianismo, ainda que não o tenham necessariamente entendido. Os milagres ali operados, juntamente com os exorcismos realizados, conferiram a Jesus o reconhecimento de ser ele o Ungido do Senhor. O que impressiona ademais, é que tal reconhecimento se dá também pelos demônios que eram expulsos, pois lhe reconheciam a autoridade.

E por falar em autoridade, notem que interessante. Jesus fala com autoridade, exorciza com autoridade e cura com autoridade. Isso fica patente pelo fato de não haver qualquer evocação fora de si mesmo, nem para falar, nem para expulsar demônios ou ainda para curar. A febre na sogra de Pedro é repreendida com autoridade e ela logo melhora. Alguns veem nesse texto uma sustentação para a crença de que doenças são causadas por demônios ou espíritos imundos, uma vez que Jesus repreende a febre. Acontece que repreensão está ligado a expulsão de demônios em nosso contexto histórico-religioso, mas não estava assim relacionado para Lucas e para os seus leitores. Mesmo porque, Jesus mais adiante repreenderá o vento e o encapelado Mar da Galileia, no episódio em que a tempestade açoitava o barco em que se encontrava. Por acaso a natureza teria sido possuída por espírito maligno? Claro que não. Portanto repreender aqui denota autoridade; poder para agir sobre as forças ou circunstâncias que afligem a alma e oprimem a humanidade.

O que de certa forma Lucas encaminha para o entendimento de seus leitores, é que desde o nascimento, Jesus veio sendo preparando para esse momento. Para os anos de ministério que realizaria. Concebido pelo Espírito de Deus e por ele sustentado, desde cedo Jesus se destacara das demais crianças do seu povoado. Tendo sido batizado e deixado assim sua vida anterior para dedicar-se totalmente à sua obra, foi tentado a duvidar do testemunho de Deus sobre sua filiação e messianismo. E agora ele estava sendo desprezado exatamente por aqueles a quem veio salvar, como uma forte e inevitável motivação para que ele desistisse do que estava pronto a fazer.

Por sua vez, e a pretexto de se manter em comunhão com o Pai, Jesus se retirou para um lugar deserto. Ele fez isso por muitas vezes. As narrativas dos evangelhos flagram Jesus se isolando constantemente para orar e assim alimentar sua relação com Deus, mantendo sua convicção de que, como cordeiro de Deus, lhe caberia passar por tudo a que se pretendeu na eternidade; salvar a humanidade.

Por último e tão importante quanto, Jesus diz que não pode atender os pedidos para permanecer em Cafarnaum, pois ele precisa ir a outras regiões pregar o evangelho do Reino, porque para isso é que fora enviado. E assim nos encerra a lição desse capítulo quatro. Convicção e foco; um binômio a ser guardado. Convicto de que era o Filho de Deus, ele resistiu ao diabo, não aceitou o desafio frívolo e mentiroso dos judeus de Nazaré, e agora, apesar do reconhecimento e do apreço do povo de Cafarnaum, Ele não perde o foco naquilo que realmente importa e define a razão de sua existência; a salvação.

Ainda que isso lhe custasse a vida, Jesus sabia que tinha tarefa e prazo para cumprir tal tarefa. Sabia que sua vida tinha um propósito e a esse propósito se dedicaria empenhadamente. Mal deu descanso ao próprio corpo e aos seus discípulos. E nós preocupados com condições de realização dessa ou daquela tarefa para o reino. Nos aborrecendo com essa ou aquela falta de reconhecimento. Nos magoamos por nada e nos revoltamos por muito pouco, abandonando ou negligenciando aquilo que o Senhor espera de nós; fé e ação.

Que tanto os maus quanto os bons nos reconheçam servos do Deus altíssimo, e que proclamemos a salvação em Jesus com a autoridade que nos deu para pregar, ensinar, e batizar em seu nome. 

Bom treino!

segunda-feira, 2 de maio de 2016

Exercício 013 - Quem é Jesus para se declarar Jesus?


Por Jânsen Leiros Jr


"14 Então, Jesus retornou para a Galiléia, no poder do Espírito, e por toda aquela região se espalhou sua fama. 15 Ensinava nas sinagogas e, de todos, recebia manifestações de grande apreciação.
16 Jesus viajou para Nazaré, onde havia sido criado e conforme seu costume, num dia de sábado, entrou na sinagoga. E posicionou-se em pé para fazer a leitura. 17 Foi-lhe entregue o livro do profeta Isaías. Desenrolando-o achou o lugar onde está escrito:
18 “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para pregar o Evangelho aos pobres. Ele me enviou para proclamar a libertação dos aprisionados e a recuperação da vista aos cegos; para restituir a liberdade aos oprimidos,
19 e promulgar a época da graça do Senhor”. 20 Em seguida, enrolou novamente o livro, devolveu-o ao assistente e assentou-se. E na sinagoga todos estavam com os olhos fixos em sua pessoa. 21 Então Ele começou a pregar-lhes: “Hoje se cumpriu a Escritura que acabais de ouvir”. 22 E todos exclamavam maravilhas sobre Ele, e estavam admirados com as palavras de graça que saíam dos seus lábios. Mas questionavam entre si: “Não é este o filho de José?” 23 No entanto, Jesus lhes replicou: “Com toda a certeza citareis a mim o conhecido provérbio: ‘Médico, cura-te a ti mesmo! Faze aqui em tua terra o que soubemos que fizeste em Cafarnaum’”. 24 E continuou a falar Jesus: “Realmente vos afirmo: Nenhum profeta é bem recebido em sua própria terra. 25 No tempo de Elias, posso lhes afirmar com certeza, que havia muitas viúvas em Israel, quando o céu foi fechado por três anos e meio, e grande fome ocorreu em toda a terra. 26 Contudo, Elias não foi mandado a nenhuma delas, senão somente a uma viúva de Sarepta, na região de Sidom. 27 Assim também, no tempo do profeta Eliseu, havia muitos leprosos em Israel, mas nenhum deles foi purificado, a não ser Naamã, o sírio”. 28 Então, todos os que estavam na sinagoga foram tomados de grande raiva ao ouvirem tais palavras. 29 E, levantando-se, expulsaram a Jesus da cidade, levando-o até o topo da colina sobre a qual a cidade havia sido edificada, com o propósito de jogá-lo de lá, precipício abaixo. 30 Todavia, Jesus passou por entre eles, e seguiu seu caminho.”
Lucas 4:14-30 - KJA

Após um tempo de jejum e oração, Jesus retorna ao convívio dos seus, realizando milagres e prodígios que impressionavam a multidão. Mas é importante observar que a fama de Jesus não se restringia às maravilhas que operava. Ele ensinava nas sinagogas, como era seu costume, e o seu ensino maravilhava a todos, de modo a provocar neles grande admiração. O casamento ideal entre teoria e prática?

Jesus então decide ir até a cidade onde foi criado, para ali também ensinar aquilo que vinha apregoando nas sinagogas da Galiléia por onde passara. É importante ressaltar que o texto afirma ser esse um costume de Jesus. Ou seja, ele cumpria o roteiro religioso padrão daquela sociedade, ainda que não estivesse preso àquilo que claramente se apresentasse como mero rito de aparência ou pietismo frívolo, questões que veremos mais adiante.

De qualquer forma, a ressalva se faz pertinente, uma vez que há muitos que acreditam que a igreja local instituída é desnecessária, uma vez que Deus não habita em templos feitos por mãos humanas[1], utilizando-se esse do próprio texto bíblico. Sim, é verdade, Deus não habita nos templos ou prédios erguidos e nomeados como igreja. Mas também é verdade que Deus habita no meio dos louvores, e que onde dois ou mais estiverem reunidos em seu nome ele ali estará[2]. Ora, se nós temos um local onde podemos nos congregar e livremente adorar e louvar a Deus, e se nesses lugares nos encontramos com Ele como igreja reunida, por que haveríamos de dispensar tais facilidades que o Senhor nos concedeu para nosso exercício de fé, amor e comunhão? Não há tantos no mundo que não podem usufruir desse privilégio? Recebamos tal benefício com gratidão e louvor.

Há contudo um fato extremamente revelador nesse texto, e está diretamente ligado às tentações pelas quais Jesus acabara de passar no deserto. Naqueles dias, faminto e debilitado, o diabo o tentou com a dúvida de ser ele ou não o Filho de Deus, sugerindo que ele duvidasse do que o próprio Deus havia testemunhado dele quando do batismo; Esse é o meu filho amado em quem me comprazo. Se és mesmo o filho de Deus... Já na sinagoga de Nazaré, nenhuma dúvida havia. Muito pelo contrário. Fortalecido por sua extrema comunhão com Deus, e pleno do poder do Espírito Santo, Jesus lê o texto de Isaías e o dá por realizado. Ali estava o cumprimento da profecia em pessoa.

O mais interessante é que a revolta dos presentes naquela sinagoga, não se dá imediatamente pelo que Jesus acabara de afirmar. Na verdade, na sequência de sua afirmação ele segue lhes ensinando, e esse seu ensino lhes causa igualmente admiração, a ponto deles exclamarem maravilhas a seu respeito. A confusão inicia quando sua origem presumidamente conhecida é questionada. Aquele não poderia ser o Messias aguardado de quem falava o texto lido. Afinal, aquele Jesus era o filho de José, o carpinteiro. Eles deviam lembrar-se dele menino adolescente, brincado pela aldeia, vivendo como uma criança comum daquela época. Não era um palaciano e nem mesmo tinha conhecida linhagem real, como deveria ter o Messias. Como pode reivindicar ser quem diz que é? Deviam pensar aqueles homens presentes na sinagoga. Afinal, poderia alguma coisa boa sair de Nazaré?

Mas há ainda outro agravante. Eles devem ter imediatamente condicionado em seus corações, que a exemplo do mote presente na tentação do deserto, se Jesus operasse qualquer prodígio digno de admiração e assombro, eles poderiam crer ser ele o Messias de Deus. E da mesma forma que Jesus respondeu ao diabo citando as escrituras como sustentação contra a tentação, Jesus também os confronta duplamente. Sim, porque não só lhes afirma que não fará qualquer milagre para se credenciar, como dá dois exemplos de milagres de Deus feitos em favor de gentios, o que de certa forma os ofendia como preteridos por Deus em favor de terceiros; exata condição de suas incredulidades.

Diante daquela resposta, os nazarenos enfureceram-se e plenos de ódio e rancor, pretenderam jogar Jesus do precipício. Foi-lhes um golpe duro, a confrontação de que a incredulidade deles os faria perder a possibilidade de ver a mão de Deus atuando em seu favor. Na prática, não são muitos os que barganham com Jesus suas crenças, condicionando-as a milagres, favores ou vantagens? Ainda que se maravilhem com seus ensinos, eles são pouco para lhes satisfazer, pois ouvem mas nunca aprendem. Muitos são os que contrariados tentam se livrar de Jesus em suas vidas. Duvidam de seu poder e rejeitam seu amor.




[1]  Atos 17:24
[2]  Mateus 18:20

quarta-feira, 23 de março de 2016

Exercício 012 - Tentando morreu um burro


Por Jânsen Leiros Jr


"1 Pleno do Espírito Santo, retornou Jesus do Jordão e foi conduzido pelo Espírito ao deserto, 2 onde enfrentou as tentações do Diabo por quarenta dias. Durante todos esses dias não comeu nada e, ao fim desse período, estava faminto. 3 Indagou-lhe, então, o Diabo: “Se tu és o Filho de Deus, ordena que esta pedra se transforme em pão”. 4 Mas Jesus lhe contestou: “Está escrito: ‘Nem só de pão viverá o ser humano’”.
5 Então o Diabo o levou a um lugar muito alto e lhe mostrou, em uma fração de tempo, todos os reinos do mundo. 6 E lhe propôs: “Eu te darei todo o poder sobre eles e toda a glória destes reinos, porque me foram entregues e tenho autoridade para doá-los a quem bem entender. 7 Portanto, se prostrado me adorares, tudo isso será teu!” 8 Contudo Jesus lhe afirmou: “Está escrito: ‘Ao Senhor teu Deus adorarás e só a Ele darás culto’”.
9 Em seguida o Diabo o levou para Jerusalém, e o colocou sobre a parte mais alta do templo e o desafiou: “Se tu és o Filho de Deus, lança-te daqui para baixo. 10 Pois, como está escrito: ‘Aos seus anjos ordenará a teu respeito, para que te protejam; 11 eles te sustentarão sobre suas mãos para que não batas com teu pé contra alguma pedra’”. 12 Repreendeu-lhe Jesus: “Dito está! ‘Não tentarás o Senhor teu Deus’”.
13 E assim, tendo concluído todo o tipo de tentação, o Diabo afastou-se dele até o tempo oportuno.”
Lucas 4:1-13 - KJA

Já dissemos anteriormente que o batismo, a genealogia e a tentação de Jesus formam um conjunto que marca o início do seu ministério. Falamos que o seu batismo apresenta o testemunho de Deus sobre quem é Jesus e a evidente unção que está sobre ele. Também falamos que a citação de sua genealogia o confirma humano, uma vez que declara sua ascendência familiar. O episódio da tentação, contudo, traz a contundente e importante revelação de que a Jesus tem plena convicção de quem é e do papel de desempenhará na redenção da humanidade. Isso se confirmará na sequência do capítulo quatro, quando ele mesmo afirmará isso na sinagoga de Nazaré ao ler o texto de Isaías.

Isolando a tentação nesse exercício, ainda que não pretendamos ser tão específicos, podemos e até devemos fazer algumas perguntas preliminares, que certamente poderão ajudar-nos na compreensão do contexto dessas três tentações na narrativa de Lucas, deixando de lado, num primeiro momento, o fato de também terem sido incluídas nas narrativas de Mateus e de Marcos, ainda que em uma ordenação diferente.

Uma primeira e inevitável pergunta seria por quê? Ou seja, qual motivo teria levado os evangelistas a isolarem um momento específico de tentação, uma vez que, a exemplo do que passamos em nossas vidas cotidianas, as tentações ocorrem todo o tempo em que estamos conscientes? Melhor. Tendo Jesus estado sozinho no deserto, ele mesmo deve ter contado o ocorrido a seus discípulos e pontuado essas três tentações especificamente. E por que essas três e não quatro ou duas? Aliás, poderíamos começar com uma pergunta ainda mais primordial: Por que Jesus precisou ser tentado? Houve algum divino propósito nisso? Chega de perguntas, vamos ao exercício.

Antes de mais nada é preciso ressaltar que Lucas tem em mente confirmar que Jesus é o Filho de Deus. Desde o seu nascimento, passando por sua adolescência e batismo, ele apresenta amplo e variado testemunho disso. E era importante que ficasse claro para o destinatário de seu evangelho, que tudo que este iria ler à frente, seria uma narrativa dos discursos e feitos realizados por quem tinha autoridade para realizar e dizer tudo o que seria apresentado.

Notem que Jesus é conduzido ao deserto não por acaso, mas impelido pelo Espírito de Deus. Portanto o deserto foi propositalmente incluído como momento de preparação para o fortalecimento de Jesus como ungido de Deus. Pode soar estranho para alguns, mas Jesus é nosso exemplo em tudo, e o é também no que se refere a preparação para uma missão. Aliás, deserto sempre está ligado a preparação por todo o texto bíblico. Mas existia um detalhe a mais; Jesus precisava agir na contramão de Adão.

Se voltarmos a narrativa ao instante imediatamente seguinte ao batismo, onde uma voz do céu testifica que Jesus é o Filho de Deus em quem Ele se compraz, perceberemos que durante a tentação Jesus será instigado a duvidar disso, auto-afirmando-se com atitudes que acabariam por denunciar sua dúvida; se tu és o Filho de Deus... Tal dúvida não recairia propriamente sobre o que ele era, mas principalmente sobre o que Deus havia afirmado sobre ele, Jesus. Ou seja, o diabo esperava que Jesus duvida-se de Deus, a exemplo do que fizera com Eva e com Adão no Éden; certamente não morrereis[1].

Sendo assim, como por meio da desobediência de um só homem muitos se tornaram pecadores, assim também, por intermédio da obediência de um único homem, muitos serão feitos justos[2]. Ora, a obediência de Jesus inaugura e legitima seu ministério. Não que esse tenha sido seu único ato de obediência, uma vez que tal obediência se estendeu por toda sua vida até a cruz. Mas no deserto, diante da tentação direta, Jesus demonstra sua disposição de cumprir o resgate da humanidade, sendo em tudo obediente a Deus.

Quanto as tentações, são descritas apenas três que irão representar os impulsos pertinentes ao ser humano que, na busca de satisfazê-los, desprezam sem pestanejar a instrução de Deus. Jesus então é confrontado exatamente nesses três aspectos; o sustento do corpo, o sentido da vida, e a vaidade da alma. É provável que as tentações a que se submetera o Senhor, não tenham se restringido aos narrados, uma vez que o próprio texto se inicia dizendo que Jesus enfrentou as tentações do Diabo por quarenta dias, e conclui afirmando que Jesus sofrerá todo o tipo de tentação. Porém, o mais notável e comum às três tentações, é que em todas elas Jesus usou como resistência e por assim dizer, segurança, o conhecimento e a convicção nas Escrituras; Está escrito.

O Diabo afastou-se dele até o tempo oportuno. Embora os líderes religiosos passassem todo o tempo provando Jesus em suas convicções e princípios, tais provações não implicam em tentações, pois nelas estavam em jogo não o seu caráter de santidade, mas suas réguas doutrinárias e o cumprimento irrestrito dos ritos da lei e da tradição religiosa judaica. Portanto as investidas do diabo se seguiram pontuais e decisivas, potencializando-se até a cruz.  

Há quem defenda que Jesus não foi tentado, mas tal anularia sua obediência em santidade, pois se não tiver sido tentado, obediente também não foi; anulado estaria seu sacrifício. Ora, Jesus resistiu a tudo por obediência, e tendo-nos amado, amou-nos até o fim[3]. Em tudo sendo obediente até a morte, e morte de cruz[4]. Sua determinação em nos resgatar expressa seu amor por nós de um jeito inquestionável, pois resistindo a toda sorte de reais tentações, derrotou o pecado e a morte, nos transportando para o reino de Deus.
ASSISTA O VÍDEO




[1]  Gênesis 3:4
[2]  Romanos 5:19
[3]  João 13:1
[4]  Filipenses 2:8

segunda-feira, 14 de março de 2016

Exercício 011 - ... e você, filho de quem?


Por Jânsen Leiros Jr


"23 Ora, Jesus, ao começar o seu ministério, tinha cerca de trinta anos; sendo (como se cuidava) filho de José, filho de Eli; 24 Eli de Matate, Matate de Levi, Levi de Melqui, Melqui de Janai, Janai de José, 25 José de Matatias, Matatias de Amós, Amós de Naum, Naum de Esli, Esli de Nagai, 26 Nagai de Maate, Maate de Matatias, Matatias de Semei, Semei de Joseque, Joseque de Jodá, 27 Jodá de Joanã, Joanã de Resa, Resa de Zorobabel, Zorobabel de Salatiel, Salatiel de Neri, 28 Neri de Melqui, Melqui de Adi, Adi de Cosão, Cosão de Elmodã, Elmodão de Er, 29 Er de Josué, Josué de Eliézer, Eliézer de Jorim, Jorim de Matate, Matate de Levi, 30 Levi de Simeão, Simeão de Judá, Judá de José, José de Jonã, Jonã de Eliaquim, 31 Eliaquim de Meleá, Meleá de Mená, Mená de Matatá, Matatá de Natã, Natã de Davi, 32 Davi de Jessé, Jessé de Obede, Obede de Boaz, Boaz de Salá, Salá de Nasom, 33 Nasom de Aminadabe, Aminadabe de Admim, Admim de Arni, Arni de Esrom, Esrom de Farés, Farés de Judá, 34 Judá de Jacó, Jacó de Isaque, Isaque de Abraão, Abraão de Tará, Tará de Naor, 35 Naor de Seruque, Seruque de Ragaú, Ragaú de Faleque, Faleque de Eber, Eber de Salá, 36 Salá de Cainã, Cainã de Arfaxade, Arfaxade de Sem, Sem de Noé, Noé de Lameque, 37 Lameque de Matusalém, Matusalém de Enoque, Enoque de Jarede, Jarede de Maleleel, Maleleel de Cainã, 38 Cainã de Enos, Enos de Sete, Sete de Adão, e Adão de Deus”
Lucas 3:23-38 - JFA

Tanto o batismo de Jesus, quanto o relato de sua analogia e logo depois sua tentação no deserto, marcam na narrativa de Lucas o começo do ministério de Jesus, destacando alguns aspectos importantes, que sustentarão diversas condições e circunstâncias em todo o restante do seu evangelho.

Se o batismo evidenciou que Jesus e não João era o Messias, o Filho de Deus, o ungido aguardado, a nomeação de sua analogia apontará para uma humanidade extremamente necessária na compreensão de sua existência. Isso porque Teófilo, para quem está endereçado o evangelho de Lucas, sendo de cultura grega, obviamente está familiarizado com os semideuses mitológicos, cujos feitos extraordinários em suas histórias, deviam-se à sua natureza em parte divina. Lucas precisava reafirmar tantos a humanidade plena de Jesus, de genealogia sabidamente humana em todos os seus ancestrais até Adão, bem como sua total dependência da atuação do Espírito de Deus nele e por ele.

Há algumas divergências entre a genealogia elaborada por Lucas, se comparada a genealogia descrita por Mateus em sua narrativa. Embora haja coincidência dos nomes de Abraão até Davi, é muito difícil entender por quais razões, a partir do rei Davi, um toma o caminho da linhagem de José, no caso de Mateus, e o outro o de Maria, no caso de Lucas. Talvez esse último quisesse reafirmar o nascimento virginal de Jesus,  ma vez que José, sabidamente pai de Jesus, é colocado como filho de Eli, pai de Maria, como "filho" adotivo devido ao seu casamento.

Qualquer que tenha sido o mote exato, contudo, é claro e relevante que seguindo a genealogia em retrocesso até Adão, homem gerado por Deus diretamente e sem pai terreno, Jesus é apontado como o novo Adão. Isso sustentará mais tarde a teologia premente em todo o Novo Testamento, que coloca Jesus como o segundo Adão, comparando suas posições de convergência na história da humanidade, onde se por um entrou no mundo o pecado, por outro se teve acesso à salvação[1].

Em última análise, é impressionante perceber que por mais desnecessário que possa parecer, mesmo uma genealogia pode trazer embutidas importantes revelações aos nossos corações, demonstrando em detalhes supostamente desprezíveis, o cuidado de Deus em esclarecer a redenção que disponibiliza a toda humanidade. Pois se tantos, em sequência, são filhos uns de outros, a partir de Jesus todos podem, no fim, tornarem-se filhos de Deus. E você, o que está esperando?



[1]  Romanos 5:19

quarta-feira, 9 de março de 2016

Exercício 010 - Ele e não eu


Por Jânsen Leiros Jr


"15 Ora, estando o povo em expectativa e arrazoando todos em seus corações a respeito de João, se porventura seria ele o Cristo, 16 respondeu João a todos, dizendo: Eu, na verdade, vos batizo em água, mas vem aquele que é mais poderoso do que eu, de quem não sou digno de desatar a correia das alparcas; ele vos batizará no Espírito Santo e em fogo. 17 A sua pá ele tem na mão para limpar bem a sua eira, e recolher o trigo ao seu celeiro; mas queimará a palha em fogo inextinguível.  
18 Assim pois, com muitas outras exortações ainda, anunciava o evangelho ao povo. 19 Mas o tetrarca Herodes, sendo repreendido por ele por causa de Herodias, mulher de seu irmão, e por todas as maldades que havia feito, 20 acrescentou a todas elas ainda esta, a de encerrar João no cárcere.  
21 Quando todo o povo fora batizado, tendo sido Jesus também batizado, e estando ele a orar, o céu se abriu; 22 e o Espírito Santo desceu sobre ele em forma corpórea, como uma pomba; e ouviu-se do céu esta voz: Tu és o meu Filho amado; em ti me comprazo.”
Lucas 3:15-22 - JFA

Sendo a pregação de João tão veemente, e a expectativa por um Messias tão presente no contexto daquela sociedade, Lucas se ocupou em delinear claramente que ele, João, não era o Cristo aguardado. E ele estabeleceu essa diferença a partir do tipo de batismo que realizava, comparando com o tipo de batismo que viria a ser exercido por Jesus, esse sim o Messias esperado.

Eu, na verdade, vos batizo em água, mas vem aquele que é mais poderoso do que eu. Lucas inclui a fala do próprio João propositadamente, pois isso esclarece que não só o profeta tinha total consciência de seu papel como antecessor de Jesus, mas também evita qualquer mal entendido que supusesse que João tivesse se autodenominado Messias.

Há um outro detalhe interessante. Eu, na verdade, vos batizo em água. Essa frase denota que o próprio João esclarece o caráter meramente simbólico do ato de batizar-se, desmistificando que algo de sobrenatural acontecesse nesse ato. Isso fica claro quando ele compara o seu batismo com o batismo de Jesus, por cujo Espírito será exterminada toda a palha.

Como profeta que era, e no melhor estilo de Elias, João, além de apregoar a iminente chegada do Messias, apontava as maldades de Herodes, entre as quais relacionava a de possuir a mulher de seu irmão Filipe[1]. Motivado por essa e outras acusações, Herodes utilizou de seu poder e prendeu João, acrescentando mais essa loucura a todas as outras.

O momento do batismo de Jesus é pontuado como mais uma e determinante diferença entre ele e João. Tu és o meu Filho amado; em ti me comprazo. Não é outro o Messias senão Jesus de Nazaré. Ele é o Cristo. Ele é o redentor no mundo. Por ele vem a salvação a todos os povos. Sim, Jesus é o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo; o cordeiro sem mácula.

Mas aqui cabe uma provocação. Se o batismo de João tinha um cunho de batismo de arrependimento, porque é que Jesus se batizou? E se o batismo de João era simbólico e sem efeito sobrenatural, porque sendo Jesus batizado, sobre ele desceu o Espírito Santo, como efeito desse evento?

Ora, Não podemos esquecer que Jesus não nasceu com trinta anos. Como um judeu comum, viveu sua infância e juventude junto à sua comunidade, envolvido com tudo o que dizia respeito à vida cotidiana de sua gente. Aprendera a profissão de José de quem era sabidamente filho, como era próprio naquela sociedade. De modo que até os trinta anos Jesus tinha uma vida comum, embora fosse possível que existisse algum destaque, a exemplo do que acontecera aos treze anos, no templo em Jerusalém. Mas tanto seu dia a dia era comum, que ao falar na sinagoga em Nazaré e mesmo em outras ocasiões, os que lhe ouviram se perguntavam se não era ele aquele menino filho de José, o carpinteiro[2]. Jesus era reconhecidamente comum e igual a todos de sua idade.

Portanto, tendo Jesus uma vida comum anterior ao seu ministério, o seu batismo tem um caráter inaugurador de uma nova fase, em que suas obrigações sociais e familiares ficaram para trás. A partir daquele momento ele estaria total e exclusivamente voltado para o propósito de sua vida, direcionando para tal propósito todas as suas decisões e atitudes. Por isso o Espírito Santo desceu sobre ele, pois para dar cabo de sua missão, seria necessário estar pleno do Espírito de Deus, por meio de quem opera todos os milagres e prodígios que o distinguirá entre todos antes e depois dele.

Do seu batismo em diante, Jesus assume o protagonismo da narrativa de Lucas, não dividindo mais a cena com mais ninguém. Todos os fatos se desenrolam a partir dele e de sua centralidade, assim permanecendo mesmo depois de sua crucificação. Assim a plenitude do Espírito em Jesus é que garante o sucesso de sua missão. Ele se dá a isso e se prepara para isso. Sua entrega é total.



[1]  Marcos 6:17
[2]  Lucas 4:22; João 6:42; Marcos 6:3