segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Exercício 009 - Arrependei-vos! Um grito do Espírito


Por Jânsen Leiros Jr


"1 No décimo quinto ano do reinado de Tibério César, época em que Pôncio Pilatos foi governador da Judéia; Herodes, tetrarca da Galiléia; seu irmão Filipe, tetrarca da Ituréia e Traconites; e Lisânias, tetrarca de Abilene, e 2 Anás e Caifás exerciam o ofício de sumo sacerdotes. Foi nesse mesmo ano que João, filho de Zacarias, recebeu uma palavra convocatória do Senhor, no deserto. 3 Então ele percorreu toda a região próxima ao Jordão, proclamando um batismo de arrependimento para perdão dos pecados.
4 Assim como está escrito no livro das palavras do profeta Isaías: “Voz do que clama no deserto: ‘Preparai o caminho do Senhor, tornai retas as suas veredas.
5 Pois que todo o vale será aterrado e todas as montanhas e colinas, niveladas. As estradas tortuosas se transformarão em retas e os caminhos acidentados serão aplanados.
6 E todos os seres viventes contemplarão a salvação que Deus oferece’”.
7 João repreendia as multidões que vinham para ser batizadas por ele: “Raça de víboras! Quem lhes persuadiu a fugir da ira vindoura? 8 Produzi, então, frutos que demonstrem arrependimento. E não comeceis a cogitar em vossos corações: ‘Abraão é nosso pai!’. Pois eu vos asseguro que destas pedras Deus pode fazer surgir filhos a Abraão. 9 O machado já está posto à raiz das árvores, e toda árvore que não der bom fruto será cortada e jogada ao fogo”.
10 E as multidões lhe rogavam: “O que devemos fazer então?” 11 Diante do que João as exortava: “Quem tiver duas túnicas dê uma a quem não tem nenhuma; e quem possui o que comer, da mesma maneira reparta”. 12 Chegaram inclusive alguns publicanos para ser batizados. E indagavam: “Mestre, como devemos proceder?” 13 E João lhes respondeu: “Não deveis exigir nada além do que vos foi prescrito”. 14 Então um grupo de soldados lhe inquiriu: “E quanto a nós, o que devemos fazer?” E ele os orientou: “A ninguém molesteis com extorsões, nem denuncieis falsamente. Contentai-vos com o vosso próprio salário”
Lucas 3:1-14 - KJA

Notem mais uma vez a preocupação de Lucas em ser o mais preciso possível em sua narrativa, ainda que não se utilizando de argumentos mas apenas fatos. Ele inicia esse novo trecho de seu evangelho relacionando os ocupantes de cargos e funções de destaques, e assim localizando historicamente o início do ministério profético de João Batista, compreendendo-o entre 27 e 29 d.C.

João, filho de Zacarias, recebeu uma palavra convocatória do Senhor, no deserto. Lucas faz questão de pontuar que João não falava de si mesmo, e nem ao menos realizava qualquer coisa por sua própria vontade. Um outro detalhe interessante, é que o evangelista realça e confirma um hábito de João; estar no deserto. Sim, pois foi lá mesmo que ele ouviu a palavra convocatória. Foi no deserto que João cresceu e se robusteceu em espírito[1], sendo no deserto o lugar onde recebeu a credencial para falar em nome de Deus, convocando o povo ao arrependimento.

Voz do que clama no deserto: "Preparai o caminho do Senhor". Dessa forma Lucas deixou claro que a profecia de Isaias falava exatamente de João, e que esse teve um papel primordial na revelação da salvação oferecida por Deus à humanidade. Tornai retas as suas veredas. Pois que todo o vale será aterrado e todas as montanhas e colinas, niveladas. Havia um ambiente de total afastamento de Deus. Uma religiosidade aparente e uma terrível degradação no comportamento daquele povo, precisava ser confrontada antes da pregação de Jesus. Era preciso demonstrar que todos seriam tratados com igualdade diante de Deus; montanhas e vales. Toda pessoa, qualquer que fosse sua condição social, deveria arrepender-se, voltar atrás, olhar para dentro de si mesma e mudar de direção. Todos deveriam arrepender-se.

Há aqui a oportunidade para um esclarecimento que parece pertinente. Muitos me perguntam se "proclamando um batismo de arrependimento para perdão dos pecados", indica que o batismo em si, como rito, ocupa a função de perdoar pecados, vindo daí sua importância dentro dos rituais cristão. Não, de modo algum. Ainda que comumente entendido como ritual de purificação para diversos povos ao redor da Judéia, e podendo naturalmente ser compreendido pelos judeus, que incluíam um banho de purificação aos gentios convertidos ao judaísmo além da circuncisão, o batismo era, já para João Batista, apenas um símbolo, um ato testemunhal de uma atitude da alma; o arrependimento.

Tanto era assim, que ao perceber uma multidão afluindo ao batismo no rio Jordão, multidão onde se escondiam pessoas sem qualquer arrependimento genuíno, o próprio João pergunta quem havia ensinado àquelas víboras, uma forma de fugir do juízo de Deus. Produzi frutos que demonstrem arrependimento. Dizia ele mesmo em seguida. Ou seja, de que adiantaria uma demonstração pública de arrependimento, se os corações seguiam repletos de enganos e desejo mal? O batismo não produzia nem mesmo perdão de pecados, pois ainda os frutos atestavam que não havia ocorrido qualquer arrependimento.

Do versículo 10 ao 14, Lucas relata explicações de João sobre o que demonstraria um comportamento sustentado por um arrependimento genuíno. E assim ele dá respostas curtas e óbvias, que mais tarde encontrarão eco no Sermão do Monte. Dessa forma João apresenta uma nova lógica religiosa, em que o que se aparenta no cumprimento de ritos, não será necessariamente a realidade do coração humano. Somente os frutos são capazes de testemunhar sobre um novidade de vida.

Portanto, o que fica bastante evidente é que o batismo, mesmo o de João, era um simbolismo com vistas a testemunho público de tomada de decisão. No caso o arrependimento. Depois Jesus aprofundará esse conceito, fazendo com que o batismo seja uma simbologia da morte e da ressurreição daquele que por ele passou, mantida a ideia de testemunho público. Ora, pode ser que aquele que se purificou de pecados volte a cometê-los. O arrependido, por sua vez, muda de mente e passa a viver diferente da vida que tinha antes. O que morre e ressuscita, porém, não tem mais como cometer erros, pois está morto para a vida anterior, e vive uma outra dimensão de existência. Produzamos, portanto, frutos dignos de uma nova vida.



[1]  Lucas 1:80

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Exercício 008 - Onde está Jesus? Alguém sabe?


Por Jânsen Leiros Jr


"41 Ora, seus pais iam todos os anos a Jerusalém, à festa da páscoa. 42 Quando Jesus completou doze anos, subiram eles segundo o costume da festa; 43 e, terminados aqueles dias, ao regressarem, ficou o menino Jesus em Jerusalém sem o saberem seus pais; 44 julgando, porém, que estivesse entre os companheiros de viagem, andaram caminho de um dia, e o procuravam entre os parentes e conhecidos; 45 e não o achando, voltaram a Jerusalém em busca dele. 46 E aconteceu que, passados três dias, o acharam no templo, sentado no meio dos doutores, ouvindo-os, e interrogando-os. 47 E todos os que o ouviam se admiravam da sua inteligência e das suas respostas. 48 Quando o viram, ficaram maravilhados, e disse-lhe sua mãe: Filho, por que procedeste assim para conosco? Eis que teu pai e eu ansiosos te procurávamos. 49 Respondeu-lhes ele: Por que me procuráveis? Não sabíeis que eu devia estar na casa de meu Pai? 50 Eles, porém, não entenderam as palavras que lhes dissera. 51 Então, descendo com eles, foi para Nazaré, e era-lhes sujeito. E sua mãe guardava todas estas coisas em seu coração.
52 E crescia Jesus em sabedoria, em estatura e em graça diante de Deus e dos homens."
Lucas 2:41-52 - JFA

Esse texto de Lucas é esclarecedor para uma das especulações mais costumeiras com que a história de Jesus costuma se deparar: O que fez Jesus desde que nasceu até seus trinta anos aproximadamente, quando iniciou seu ministério? As teorias são as mais diversificadas possível, e algumas chegam a ser tão fantásticas, que tentam explicar um mistério, através de afirmações ainda mais misteriosas em suas possibilidades. Por que há tanta necessidade em se revelar algo que não faz o menor sentido descobrir, ainda que não haja absolutamente nada oculto, senão prosaico?

Ora, a infância, adolescência e juventude de Jesus, pelo que demonstra o texto, fora provavelmente comum a de tantos outros meninos e rapazes judeus daquela região. Jovem judeu, que auxiliava seu pai em sua profissão, tinha responsabilidades domésticas auxiliando a mãe, e brincando, quando possível, com as outras crianças de seu povoado. Sim, porque o texto apresenta José e Maria rigorosamente disciplinados nos costumes religiosos, seguindo as tradições de visita anual ao templo de Jerusalém na ocasião da páscoa, bem como cumprindo a tradição de levar o filho homem ao templo ao completar seus doze anos de idade, conforme o costume da festa.

O evangelista registra apenas que Jesus, obediente a seus pais, cumpriu tudo o que a lei de Moisés determinava. Obviamente porque em nada poderia ser sua reputação atacada, quanto aquilo em que se acreditava ser o cumprimento de toda a justiça. Jesus foi circuncidado ao oitavo dia, apresentado no templo findo o período de purificação de seus pais, uma vez que era o primogênito, subiu ao templo aos doze anos, e somente iniciou seu ministério, a partir do momento que sua maioridade o considerava autônomo, responsável isoladamente por tudo aquilo que dizia e pensava. Totalmente responsável por si mesmo.

E por que não há qualquer outro registro desse período de sua vida? Ouso dizer que se deve a não haver nada de interessante ou relevante nesse período, que pudesse interferir no processo de redenção da humanidade, ou que ajudasse a conhecer melhor o Filho de Deus. Em outras palavras, não há registro de nada disso, porque não interessa.

A vida de Jesus nessa época chamada oculta é tão comum e sem qualquer relevância, que ao fazer seu discurso na sinagoga, os presentes na sinagoga se admiravam de sua pertinência e tom seguro, relativamente ao texto do livro sagrado. Não é esse o filho do carpinteiro? Não vivem entre nós seus irmãos e irmãs? Não o conhecemos desde criança? Ele não costumava correr por nossas ruas brincando de pic ou de esconde-esconde?

A relevância da juventude de Jesus está resumida no final do texto que destacamos. E crescia Jesus em sabedoria, em estatura e em graça diante de Deus e dos homens, versículo 52. Ou seja, ele não foi levado da casa de seus pais para nenhum lugar especial, cuidado e ensinado por pessoas especiais, ETs, ou membros de seitas quaisquer. Ele cresceu e amadureceu diante dos olhares comuns de gente comum. Tendo uma vida comum, com responsabilidades comuns e provavelmente muito trabalho. Se assim não fosse, Jesus não conheceria tão bem os costumes e o comportamento religioso de seus compatriotas. Ao dizer ouviste o que foi dito, ele sabia exatamente em que contexto comportamental e religioso tais afirmações eram feitas.

Há um destaque curioso dado por Lucas; crescia em graça diante dos homens. Parece que Lucas evidencia que Jesus contava com a admiração dos seus circunstantes. Vizinhos e conhecidos pareciam gostar daquele menino que virou jovem e depois adulto, diante de seus próprios olhos. Jesus viveu a realidade cotidiana daquela gente, e isso o fortaleceu em sabedoria e promoveu seu crescimento físico natural. Portanto Jesus não teve, senão, uma vida comum; então, descendo com eles, foi para Nazaré, e era-lhes sujeito.

O mais interessante nessa passagem, contudo, é o susto de Maria e José com o "sumiço" de Jesus. Notem que eles chegaram a andar caminho de um dia, até darem conta de que Jesus não estava com eles. Um dia para ir e portanto mais um para voltar, e eu fico imaginando a apreensão daqueles pais, não tendo como saber o que poderia ter acontecido com o menino. Um retorno tenso certamente, pois ainda que o encontrassem logo que chegassem a Jerusalém, Jesus já teria ficado dois dias sozinhos. Como teria feito para comer? Como teria feito para dormir? Como deveria estar se sentindo? Afinal, ele havia sido deixado para trás; sua ausência não foi notada por um dia inteiro.

Um esquecimento desse poderia ter diversas razões, mas uma é inevitavelmente óbvia. Jesus não foi prioridade do cuidado nem de José, e nem de Maria. Não vai aqui qualquer juízo de valor quanto a qualidade do cuidado paterno e materno de ambos. Muito pelo contrário. Uma viagem de Nazaré a Jerusalém estimada na época em aproximadamente 5 dias, não era tarefa fácil de se empreender. Muitos preparativos; alimentos e água para o caminho. Tendas para se abrigarem. Enfim, muitas coisas para serem providenciadas, e como dizia minha avó, criança cega a gente. Nessa Jesus ficou e seus pais partiram. Acham que não?

- Onde está Jesus? Não o vejo desde que partimos. Disse Maria para José, enquanto ajeita a carga sobre o jumento que os auxiliava no transporte. - Deve estar lá atrás, com os outros meninos. Não se preocupe, mais tarde quando a fome apertar ele aparecerá. Respondeu José caminhando e puxando os arreios do mesmo jumento. Imaginem a cena. Alguém aí se identificou? Não é mesmo assim que fazemos, pais e mães que me leem? Os pais que jamais travaram um diálogo desses que me atirem a primeira pedra. Assim isento de culpa tanto Maria quanto José.

Lucas porém nos deixa implícito um contundente alerta. Quanta gente empreende viagem de uma vida inteira, sem sequer notarem a falta que Jesus lhes fez? Precisou o cansaço do dia de viagem chegar, precisou dar a hora do corpo descansar, para que a ausência de Jesus fosse notada. Quantos, próximos do descanso de seus corpos já cansados, percebem que caminharam tão longe, e se fatigaram tanto, sem que Jesus tivesse participado de suas vidas. Sem que o sabor de sua presença lhes renovasse as forças ou desse sentido a cada passo.

José e Maria, ao perceberem a ausência de Jesus, consideraram que pudesse estar junto aos companheiros de viagem, e por fim acreditaram estar entre os parentes e conhecidos. Descansaram na hipótese de que outros estivessem com Jesus, e que isso seria o bastante para o sucesso da viagem. Diante da realidade daquele vazio retornaram para busca-lo. Não havia mais qualquer sentido continuarem aquela empreitada, aquela viagem, sem que Jesus lhes estivesse em companhia. Era preciso retornar, buscá-lo e acha-lo. Como chegar em Nazaré sem Jesus? Como dar mais um passo sequer sem o menino?

Por fim o encontraram. Três dias ao todo sem Jesus, o que prefigurava o tempo que passariam sem ele mais adiante, entre sua morte e ressurreição. Três dias procurando por alguém que jamais deveriam ter deixado sair de perto deles. Procuraram ansiosamente como declarou a própria Maria ao falar com Jesus sobre sua apreensão, certamente em meio a um misto de alívio e indignação; por que procedeste assim conosco? Tensa pelo susto, justa aflição, Maria reverte a responsabilidade pelo que passava e culpa o menino. Ora, quem era o adulto e quem era a criança? Seria hoje um caso de abandono de incapaz?

Agora observem a resposta de Jesus. Ele em momento algum se atreve a responder malcriadamente a Maria. Antes ele demonstra entender a aflição de seus pais e lhes diz por que perderam tempo me procurando por aí? Não seria de se concluir que só haveria uma única possibilidade, que eu estivesse na casa de meu Pai? Não haveria outro lugar para se achar Jesus. O templo seria um lugar de encontros, uma referência para todo e qualquer peregrino. O templo era o lugar em que perdidos e desencontrados poderiam se achar. Em que outro lugar poderia estar Jesus, senão na casa de seu Pai? Mais um fato para a lista de acontecimentos que falavam ao coração de Maria. Penso que essa lista provavelmente era longa. 

Que nossas viagens pela vida, nossas caminhadas, curtas ou longas, jamais sejam empreendidas sem Jesus. Mas acaso tal desencontro se dê, que nossos corações sejam impelidos a busca-lo e acha-lo, para dar sentido à nossa marcha, tanto quanto relevância e sabor. Arrepender-se é mudar de caminho, é voltar atrás. É recuperar a jornada inglória, é refazer o caminho sem fim. Não há qualquer vergonha em retornar e buscar Jesus. Pior é tentar chegar em Nazaré sem ele.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Exercício 007 - Pelo que tantos aguardavam?


Por Jânsen Leiros Jr


"21 Quando se completaram os oito dias para ser circuncidado o menino, foi-lhe dado o nome de Jesus, que pelo anjo lhe fora posto antes de ser concebido.  
22 Terminados os dias da purificação, segundo a lei de Moisés, levaram-no a Jerusalém, para apresentá-lo ao Senhor 23 (conforme está escrito na lei do Senhor: Todo primogênito será consagrado ao Senhor), 24 e para oferecerem um sacrifício segundo o disposto na lei do Senhor: um par de rolas, ou dois pombinhos.  
25 Ora, havia em Jerusalém um homem cujo nome era Simeão; e este homem, justo e temente a Deus, esperava a consolação de Israel; e o Espírito Santo estava sobre ele. 26 E lhe fora revelado pelo Espírito Santo que ele não morreria antes de ver o Cristo do Senhor. 27 Assim pelo Espírito foi ao templo; e quando os pais trouxeram o menino Jesus, para fazerem por ele segundo o costume da lei, 28 Simeão o tomou em seus braços, e louvou a Deus, e disse:  
29 Agora, Senhor, despedes em paz o teu servo, segundo a tua palavra;  
30 pois os meus olhos já viram a tua salvação,  
31 a qual tu preparaste ante a face de todos os povos;  
32 luz para revelação aos gentios, e para glória do teu povo Israel.  
33 Enquanto isso, seu pai e sua mãe se admiravam das coisas que deles se diziam. 34 E Simeão os abençoou, e disse a Maria, mãe do menino: Eis que este é posto para queda e para levantamento de muitos em Israel, e para ser alvo de contradição, 35 sim, e uma espada traspassará a tua própria alma, para que se manifestem os pensamentos de muitos corações.  
36 Havia também uma profetisa, Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser. Era já avançada em idade, tendo vivido com o marido sete anos desde a sua virgindade; 37 e era viúva, de quase oitenta e quatro anos. Não se afastava do templo, servindo a Deus noite e dia em jejuns e orações. 38 Chegando ela na mesma hora, deu graças a Deus, e falou a respeito do menino a todos os que esperavam a redenção de Jerusalém.  
39 Assim que cumpriram tudo segundo a lei do Senhor, voltaram à Galiléia, para sua cidade de Nazaré. 40 E o menino ia crescendo e fortalecendo-se, ficando cheio de sabedoria; e a graça de Deus estava sobre ele.
Lucas 2:21-40 - KJA

Histórias importantes se alicerçam em fatos relevantes, mas suas consistências se sustentam nos detalhes. E Lucas parece dar grande importância a isso, pois os inclui oportunamente em sua narrativa, como que colocando pedras sobre as quais possam trilhar seus leitores. Tanto que ele inicia a seção com mais uma afirmação de que o predito pelo anjo anunciador, não só se cumpriu, como foi obedecido conforme instruído. Tanto Maria quanto José[1] foram obedientes à orientação de Deus.

Lucas segue nessa linha de obediência, apresentando com requintes o cumprimento das ordenanças da lei, ao longo da infância de Jesus. Terminados os dias da purificação, que duravam 40 dias para o caso de nascimento de um filho homem[2], o menino foi levado ao templo em Jerusalém, onde foi apresentado, cumprindo-se a determinação estabelecida para todo o primogênito. Lucas faz questão de tornar não só Jesus mas também toda sua família, irrepreensíveis quanto ao zelo pela lei. Mais tarde o próprio Jesus dirá isso a João Batista no momento de seu batismo; que se cumpra toda a justiça[3].

Dois fatos porém, ainda que independentes, se destacam com igual importância durante a narrativa da apresentação de Jesus no templo.  Simeão, homem justo e temente a Deus, e Ana, viúva e profetisa que servia no templo, ambos se interferem naquela rotina, anunciando quem era e o que significava aquele menino para Israel. Simeão esperava a consolação de Israel, diz o texto. Ana, por sua vez, falou a todos os que esperavam a redenção de Jerusalém. É interessante notar que de certa forma, e corroborando com o texto de Gálatas que afirma a vinda de Jesus veio na plenitude dos tempos[4], havia mesmo uma grande expectativa pelo surgimento de um redentor, de um salvador que pudesse restabelecer a ordem no mundo. Historiadores romanos, como Tácito[5] e Suetônio[6], e é importante ressaltar que eram romanos e não judeus, afirmaram que essa era uma expectativa viva e muito latente não só em toda aquela região, como também por todo o Oriente Antigo. Isso explica os magos em Mateus, que procuravam pelo salvador.

E por que destacamos isso? Talvez porque Lucas se ocupa em passar essa importância relatando essas duas intervenções. Não podemos perder de vista que Lucas está escrevendo para gentios, pessoas não acostumadas com as expectativas judaicas, mas provavelmente conhecedoras das esperanças latentes em suas regiões. Apontando para o fato de que Jesus atendia a esperança de Israel em um Messias libertador, ele trazia à lembrança que, mesmo fora da Judéia, aguardava-se o salvador que naquele episódio era apresentado ao mundo e consagrado a Deus; luz para revelação aos gentios, e para glória do teu povo Israel.

De certa forma percebe-se outra preocupação do evangelista, implícita em seu cuidado de expandir na narrativa, a onda de anúncios sobre o nascimento do redentor. Parece que Lucas aponta para o fato de que ao iniciar seu ministério, Jesus não está realizando nada que já não lhe fosse legítimo fazer, tanto por cumprimento de propósito, quanto por atendimento das expectativas do mundo. Todos aguardavam o redentor.

O ponto de desequilíbrio em toda essa história, e a sequência da narrativa demonstrará, é que a redenção aguardada tinha por objeto a condição nacional de dominação política e econômica de Israel, e não a redenção do domínio do pecado. Mesmo ao proclamar arrependei-vos, João apontava para uma confissão de afastamento de Deus, para que Ele, diante do arrependimento de seu povo, o resgatasse daquela condição de penúria nacional. Esse ambiente de expectativa em Israel, vai servir de cenário para todo o ministério de Jesus, desde a tentação no deserto, até a oração no Getsêmani. Mas isso será assunto para outros exercícios.

Por fim, seu pai e sua mãe se admiravam das coisas que deles se diziam. Outra tradução diz estavam atônitos. Se por um lado tudo o que se falava era uma confirmação ao que lhes havia sido anunciado desde a sua concepção, a sequência de testemunhos a seu respeito parecia assustá-los por apontar a um futuro desconhecido e incerto. O que viria a ser isso? Afinal de contas, Simeão introduziu uma hipótese nova; Eis que este é posto para queda e para levantamento de muitos em Israel, e para ser alvo de contradição, sim, e uma espada traspassará a tua própria alma, para que se manifestem os pensamentos de muitos corações. Lucas dava assim pistas sobre a divergência que ocorreria entre a restauração aguardada, e a redenção oferecida.

 Assim que cumpriram tudo segundo a lei do Senhor, voltaram à Galiléia, para sua cidade de Nazaré. E o menino ia crescendo e fortalecendo-se, ficando cheio de sabedoria; e a graça de Deus estava sobre ele.



[1]  Mateus 1:21
[2]  Levítico 12:1-5
[3]  Mateus 3:14-15
[4]  Gálatas 4:3-5; Efésios 1:9-10
[5]  “Muitos estavam persuadidos de que constava das antigas escrituras dos sacerdotes que por esse tempo o poder  do Oriente subiria.  E da Judéia viriam os dominadores do mundo”. (aproximadamente 120 a.C.)
[6]  “Aumentava em todo o Oriente a antiga e constante opinião de que estava escrito no destino do mundo que da Judéia viriam naquele tempo, os dominadores do mundo”  (Vida de Vespasiano - aproximadamente 140 d.C.)

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Exercício 006 - Rei nascido em berço de feno


Por Jânsen Leiros Jr


"1 Naqueles dias saiu um decreto da parte de César Augusto, para que todo o mundo fosse recenseado. 2 Este primeiro recenseamento foi feito quando Quirínio era governador da Síria. 3 E todos iam alistar-se, cada um à sua própria cidade. 4 Subiu também José, da Galiléia, da cidade de Nazaré, à cidade de Davi, chamada Belém, porque era da casa e família de Davi, 5 a fim de alistar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida. 6 Enquanto estavam ali, chegou o tempo em que ela havia de dar à luz, 7 e teve a seu filho primogênito; envolveu-o em faixas e o deitou em uma manjedoura, porque não havia lugar para eles na estalagem.  
8 Ora, havia naquela mesma região pastores que estavam no campo, e guardavam durante as vigílias da noite o seu rebanho. 9 E um anjo do Senhor apareceu-lhes, e a glória do Senhor os cercou de resplendor; pelo que se encheram de grande temor. 10 O anjo, porém, lhes disse: Não temais, porquanto vos trago novas de grande alegria que o será para todo o povo: 11 É que vos nasceu hoje, na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o Senhor. 12 E isto vos será por sinal: Achareis um menino envolto em faixas, e deitado em uma manjedoura. 13 Então, de repente, apareceu junto ao anjo grande multidão da milícia celestial, louvando a Deus e dizendo: 14 Glória a Deus nas maiores alturas, e paz na terra entre os homens de boa vontade.  
15 E logo que os anjos se retiraram deles para o céu, diziam os pastores uns aos outros: Vamos já até Belém, e vejamos isso que aconteceu e que o Senhor nos deu a conhecer. 16 Foram, pois, a toda a pressa, e acharam Maria e José, e o menino deitado na manjedoura; 17 e, vendo-o, divulgaram a palavra que acerca do menino lhes fora dita; 18 e todos os que a ouviram se admiravam do que os pastores lhes diziam. 19 Maria, porém, guardava todas estas coisas, meditando-as em seu coração. 20 E voltaram os pastores, glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham ouvido e visto, como lhes fora dito.
Lucas 2:1-20 - KJA

O evangelho de Lucas não dá explicações como faz Mateus em seu evangelho. Ele apenas narra. Mas se o fizesse, aqui ele diria: para que se cumprisse o que disse o profeta...[1] Sim, porque não fazendo qualquer argumentação, Lucas inclui na narrativa o recenseamento e localiza-o na história, de modo a deixar claro que o nascimento do Messias em Belém, não fazia parte de uma suposta orquestração de fatos e circunstâncias, que objetivasse colocar Jesus nas condições que o referendassem à posição de Cristo, o ungido de Deus. A viagem de José e Maria à Belém obedeceu a um decreto imperial romano. Nascer o Messias em Belém era o cumprimento de uma profecia, mas não foi calculado por José e Maria.

Com todo o avanço tecnológico que vivenciamos em nossos dias, fica mesmo difícil imaginar a difícil e trabalhosa logística, tanto para promover um recenseamento desse porte, bem como para atendê-lo. Comparecer à sua cidade de origem, levando pessoas, pertences e eventuais documentos que pudessem atestar a veracidade da naturalidade declarada, não devia ser uma tarefa fácil nem mesmo para quem estivesse na mais perfeita condição para empreender uma viagem. Quanto mais para aquele casal. Se Maria chegou à região no tempo de dar à luz, não só a viagem de Nazaré a Belém demorou mais que o normal, como essa mesma viagem iniciou-se com Maria avançada no tempo de sua gestação. A distância de pouco mais de 120 quilômetros entre uma cidade e outra, seria facilmente percorrida nos dias de hoje. De carro, em aproximadamente 2 horas. Todavia o caminho era montanhoso e José provavelmente precisou tomar todo o cuidado com sua mulher.

O afluxo de pessoas para a região não devia ser pequeno. Além disso, como Belém não era uma cidade de destaque, era mesmo provável não haver qualquer estrutura para receber tanta gente de uma hora para a outra. Causas combinadas, não seria de se estranhar que muitos daqueles viajantes não encontrassem lugar para se instalarem razoavelmente. Lucas não registra que o casal chegou no dia em que Maria deu à luz, mas diz apenas enquanto estavam ali, dando muito mais a entender que já havia transcorrido algum tempo entre a chegada deles e o nascimento de Jesus, dando-nos indícios de que o casal acomodou-se precariamente, entre o instante da chegada e o nascimento do menino.

Não havia lugar para eles na estalagem. Obviamente José não queria que seu filho nascesse na rua. Deve ter procurado um lugar minimamente apropriado para que recebessem o menino. Provavelmente ele argumentou, com quem os podia acolher, o estado de sua mulher e a iminência do parto. Mas fica claro que a dureza do coração daqueles demais viajantes, não permitiu que Maria pudesse ter seu filho em melhores condições. Então o casal foi parar na estrebaria. Nascido, Jesus foi posto numa manjedoura, que para quem não sabe, é o recipiente onde se colocava a comida para os animais. Mais conhecido no Brasil como comedouro.

É de se imaginar que toda aquela circunstância pesasse no coração de Maria e de José. Afinal, lhes haviam dito que o menino seria um rei. O Rei de Israel. E na contramão disso, ele nasce numa estrebaria, tendo um comedouro como berço, e envolvido em faixas improvisadas. Uma bela estreia para quem viria a ser rei. Embora felizes com seu nascimento, os pais de Jesus deviam estar com uma grande e inquietante dúvida no coração. Não deveria o futuro rei nascer em um palácio? Aquela estrebaria estava longe de ser acomodações minimamente dignas até mesmo para mendigos. Muito menos para um futuro rei. Seus corações não poderiam estar menos que apreensivos.

Mas o cuidado de Deus e o socorro que faz aos nossos corações e à nossa fé quando essa vacila, está grandemente explicitada nessa passagem. Porque a revelação feita pelo anjo aos pastores que estavam próximos àquela região foi providencial para a renovação das esperanças de José e de Maria. Sim, porque não só eles foram informados do nascimento do Messias, mas imediatamente correram para ver o menino. Eles contaram sobre as palavras do anjo e sobre o louvor das milícias no céu. Tudo aquilo confirmava a promessa à Maria, que mais uma vez, a exemplo do que já fizera anteriormente, guardou aquele fato em seu coração, juntando as peças e meditando sobre tudo aquilo.

Duas coisas podemos destacar nesses seis primeiros exercícios. A primeira e claramente declarada no texto, é que Lucas entende o reino de Deus como um reino de pequenos começos. Ele replicará esse conceito em Atos ao descrever os primórdios da igreja. Um ventre considerado estéril, um homem avançado em idade, uma virgem apenas desposada e um carpinteiro submisso e sem grandes posses. Um nascimento humilde, em circunstâncias desfavoráveis. Como se imaginaria, sem os olhos da fé, que alguma coisa grandiosa surgiria daquelas condições? Esses quatro personagens envolvidos no início do evangelho foram pessoas de fé e submissão. Mesmo Zacarias, que por um lapso de tempo titubeou. O reino de Deus se iniciava com atitudes de servo.

A segunda coisa que deve ter destaque, é que de certa forma Lucas cria um paralelo bem apontado entre a história do surgimento do povo de Israel, o povo escolhido de Deus, e a igreja, o povo redimido por Deus; seu novo Israel. Sim, porque ambos surgem de ventres virgens, de circunstâncias improváveis e condições impróprias. Também o desenvolvimento de ambos se deu em ambiente de dispêndio e determinação, de disposição e fé. Não houve, nem no primeiro e nem no segundo caso, qualquer condição de conforto ou comodidade. Sai da tua casa, e depois, levanta, toma o menino e vai. Nunca foi simples, nunca foi fácil. Até porque, afirmaria Paulo mais tarde, o poder de Deus se aperfeiçoa na fraqueza[2].

O que podemos concluir do exercício de hoje, é que não há circunstância alguma, por mais incômoda e desfavorável que seja, que impeça o cumprimento da vontade de Deus. Além disso, seu cuidado e bondade lhe faz sempre atento a nos renovar as forças e as convicções, para que em confiança e esperança, possamos caminhar firmes e resolutos, na direção do alvo que nos foi entregue.




[1]  Mateus 2:17; 4:14; 12:17
[2]  2 Coríntios 12:9