segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Exercício 6 - Rei nascido em berço de feno

Por Jânsen Leiros Jr

Revisado e ampliado em 04/06/2024 

 "1 Naqueles dias saiu um decreto da parte de César Augusto, para que todo o mundo fosse recenseado. 2 Este primeiro recenseamento foi feito quando Quirínio era governador da Síria. 3 E todos iam alistar-se, cada um à sua própria cidade. 4 Subiu também José, da Galiléia, da cidade de Nazaré, à cidade de Davi, chamada Belém, porque era da casa e família de Davi, 5 a fim de alistar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida. 6 Enquanto estavam ali, chegou o tempo em que ela havia de dar à luz, 7 e teve a seu filho primogênito; envolveu-o em faixas e o deitou em uma manjedoura, porque não havia lugar para eles na estalagem.  

8 Ora, havia naquela mesma região pastores que estavam no campo, e guardavam durante as vigílias da noite o seu rebanho. 9 E um anjo do Senhor apareceu-lhes, e a glória do Senhor os cercou de resplendor; pelo que se encheram de grande temor. 10 O anjo, porém, lhes disse: Não temais, porquanto vos trago novas de grande alegria que o será para todo o povo: 11 É que vos nasceu hoje, na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o Senhor. 12 E isto vos será por sinal: Achareis um menino envolto em faixas, e deitado em uma manjedoura. 13 Então, de repente, apareceu junto ao anjo grande multidão da milícia celestial, louvando a Deus e dizendo: 14 Glória a Deus nas maiores alturas, e paz na terra entre os homens de boa vontade.  

15 E logo que os anjos se retiraram deles para o céu, diziam os pastores uns aos outros: Vamos já até Belém, e vejamos isso que aconteceu e que o Senhor nos deu a conhecer. 16 Foram, pois, a toda a pressa, e acharam Maria e José, e o menino deitado na manjedoura; 17 e, vendo-o, divulgaram a palavra que acerca do menino lhes fora dita; 18 e todos os que a ouviram se admiravam do que os pastores lhes diziam. 19 Maria, porém, guardava todas estas coisas, meditando-as em seu coração. 20 E voltaram os pastores, glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham ouvido e visto, como lhes fora dito.

Lucas 2:1-20 - KJA

 

O evangelho de Lucas não dá explicações como faz Mateus em seu evangelho. Ele apenas narra. Mas se o fizesse, aqui ele diria: para que se cumprisse o que disse o profeta...[1] Sim, porque não fazendo qualquer argumentação, Lucas inclui na narrativa o recenseamento e localiza-o na história[2], de modo a deixar claro que o nascimento do Messias em Belém, não fazia parte de uma suposta orquestração de fatos e circunstâncias, que objetivasse colocar Jesus nas condições que o referendassem à posição de Cristo, o ungido de Deus. A viagem de José e Maria à Belém obedeceu a um decreto imperial romano. Nascer o Messias em Belém era o cumprimento de uma profecia, mas não foi calculado por José e Maria.

Com todo o avanço tecnológico que vivenciamos em nossos dias, fica mesmo difícil imaginar a difícil e trabalhosa logística, tanto para promover um recenseamento desse porte, bem como para atendê-lo. Comparecer à sua cidade de origem, levando pessoas, pertences e eventuais documentos que pudessem atestar a veracidade da naturalidade declarada, não devia ser uma tarefa fácil nem mesmo para quem estivesse na mais perfeita condição para empreender uma viagem. Quanto mais para aquele casal. Se Maria chegou à região no tempo de dar à luz, não só a viagem de Nazaré a Belém demorou mais que o normal, como essa mesma viagem iniciou-se com Maria avançada no tempo de sua gestação. A distância de pouco mais de 120 quilômetros entre uma cidade e outra, seria facilmente percorrida nos dias de hoje. De carro, em aproximadamente 2 horas. Todavia o caminho era montanhoso e José provavelmente precisou tomar todo o cuidado com sua mulher[3].

O afluxo de pessoas para a região não devia ser pequeno. Além disso, como Belém não era uma cidade de destaque, era mesmo provável não haver qualquer estrutura para receber tanta gente de uma hora para a outra. Causas combinadas, não seria de se estranhar que muitos daqueles viajantes não encontrassem lugar para se estalarem razoavelmente. Lucas não registra que o casal chegou no dia em que Maria deu à luz, mas diz apenas enquanto estavam ali, dando muito mais a entender que já havia transcorrido algum tempo entre a chegada deles e o nascimento de Jesus, dando-nos indícios de que o casal acomodou-se precariamente, entre o instante da chegada e o nascimento do menino.

Não havia lugar para eles na estalagem. Obviamente José não queria que seu filho nascesse na rua. Deve ter procurado um lugar minimamente apropriado para que recebessem o menino. Provavelmente ele argumentou, com quem os podia acolher, o estado de sua mulher e a iminência do parto. Mas fica claro que a dureza do coração daqueles demais viajantes, não permitiu que Maria pudesse ter seu filho em melhores condições. Então o casal foi parar na estrebaria. Nascido, Jesus foi posto numa manjedoura, que para quem não sabe, é o recipiente onde se colocava a comida para os animais. Mais conhecido no Brasil como comedouro.

É de se imaginar que toda aquela circunstância pesasse no coração de Maria e de José. Afinal, lhes haviam dito que o menino seria um rei. O Rei de Israel. E na contramão disso, ele nasce numa estrebaria, tendo um comedouro como berço, e envolvido em faixas improvisadas. Uma bela estreia para quem viria a ser rei. Embora felizes com seu nascimento, os pais de Jesus deviam estar com uma grande e inquietante dúvida no coração. Não deveria o futuro rei nascer em um palácio? Aquela estrebaria estava longe de ser uma acomodação minimamente digna para quem quer que fosse. Muito menos para um futuro rei. Seus corações não poderiam estar menos que apreensivos e inquietos.

Mas o cuidado de Deus e o socorro que faz aos nossos corações e à nossa fé quando essa vacila, está grandemente explicitada nessa passagem. Porque a revelação feita pelo anjo aos pastores que estavam próximos àquela região foi providencial para a renovação das esperanças de José e de Maria. Sim, porque não só eles foram informados do nascimento do Messias, mas imediatamente correram para ver o menino. Eles contaram sobre as palavras do anjo e sobre o louvor das milícias no céu. Tudo aquilo confirmava a promessa à Maria, que mais uma vez, a exemplo do que já fizera anteriormente, guardou mais aquele fato em seu coração, juntando as peças e meditando sobre tudo aquilo.

Duas coisas podemos destacar nesses seis primeiros exercícios. A primeira e claramente declarada no texto, é que Lucas entende o reino de Deus como um reino de pequenos e improváveis começos. Ele replicará esse conceito em Atos ao descrever os primórdios da igreja. Um ventre considerado estéril, um homem avançado em idade, uma virgem apenas desposada e um carpinteiro submisso e sem grandes posses. Um nascimento humilde, em circunstâncias desfavoráveis. Como alguém imaginaria, sem os olhos da fé, que alguma coisa grandiosa surgiria daquelas condições? Esses quatro personagens envolvidos no início do Evangelho foram pessoas de fé e submissão. Mesmo Zacarias, que por um lapso de tempo titubeou. O reino de Deus se iniciava com atitudes de devoção e disponibilidade a Deus.

A segunda coisa que deve ter destaque, é que de certa forma Lucas cria um paralelo bem apontado entre a história do surgimento do povo de Israel, o povo escolhido de Deus, e a igreja, o povo redimido por Deus; seu novo Israel. Sim, porque ambos surgem de ventres virgens, de circunstâncias improváveis e condições impróprias. Também o desenvolvimento de ambos se deu em ambiente de dispêndio e determinação, de disposição e fé. Não houve, nem no primeiro e nem no segundo caso, qualquer condição de conforto ou comodidade[4]. Sai da tua casa, e depois, levanta, toma o menino e vai. Nunca foi simples, nunca foi fácil. Até porque, afirmaria Paulo mais tarde, o poder de Deus se aperfeiçoa na fraqueza[5].

O que podemos concluir neste sexto exercício, é que não há circunstância alguma, por mais incômoda e desfavorável que seja, que impeça o cumprimento da vontade de Deus. Além disso, seu cuidado e bondade lhe faz sempre atento a nos renovar as forças e as convicções, para que em confiança e esperança, possamos caminhar firmes e resolutos, na direção do alvo que nos foi proposto.



[1]  Mateus 2:17; 4:14; 12:17

[2] Os recenseamentos periódicos no Império Romano eram contagens populacionais realizadas com o propósito de avaliar a população e, frequentemente, para fins de tributação e recrutamento militar. No contexto do nascimento de Jesus, o recenseamento decretado por César Augusto tinha os mesmos objetivos: registrar as pessoas para fins de tributação e controle administrativo. José e Maria foram a Belém para cumprir esse recenseamento, resultando no nascimento de Jesus naquela cidade, conforme relatado nos Evangelhos de Lucas e Mateus.

[3] Os Evangelhos não fornecem detalhes específicos sobre a duração da viagem de José e Maria até Belém. No entanto, considerando a distância aproximada entre Nazaré, onde eles viviam, e Belém, que é de cerca de 130-150 quilômetros, e as condições de viagem da época, que provavelmente teria sido a pé ou em lombo de animal, estima-se que a jornada poderia ter levado vários dias, talvez até uma semana ou mais, dependendo das condições da estrada, do clima e da velocidade de deslocamento.

[4] Um teólogo relevante que concorda com esse trecho é N.T. Wright, um renomado estudioso do Novo Testamento. Ele frequentemente aborda a relação entre as narrativas do Antigo Testamento, especialmente a história de Israel, e o Novo Testamento, incluindo o papel da igreja como o novo povo de Deus.

Em sua obra "Surpreendido Pela Esperança: Descobrindo Que o Futuro de Deus Pela Esperança do Cristianismo Começa Hoje", Wright discute como as narrativas do Antigo Testamento prefiguram e são cumpridas em Cristo e na comunidade da igreja. Ele destaca como Lucas, em seu Evangelho e nos Atos dos Apóstolos, estabelece paralelos entre o povo de Israel e a igreja, mostrando como a história da salvação de Deus se desenvolve e se expande através dessas duas comunidades. Wright também enfatiza a ideia de que tanto o antigo Israel quanto a igreja emergem de circunstâncias improváveis e são moldados pela fé e pela disposição, em vez de conforto ou comodidade.

[5]  2 Coríntios 12:9

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