Por
Jânsen
Leiros Jr
Revisado e ampliado em 08/04/2024
Nos
primeiros versículos do seu evangelho, Lucas prometeu fazer um relato detalhado
sobre os acontecimentos da vida de Jesus. E ele logo se encarrega de cumprir
tal promessa, pois com considerável detalhamento, já que sua narrativa se baseia
em informações coletadas, ele declara fatos precedentes ao próprio nascimento
do Senhor.
Numa
primeira análise parece estranho que ele tenha se ocupado em incluir o
nascimento de João Batista, como um fato relevante na trajetória de Jesus. Mais
estranho ainda, é acrescentar um relato, ainda que breve, sobre o que
acontecera antes mesmo de sua concepção. Porém, como afirmamos no exercício anterior,
Lucas parece não relatar absolutamente nada por acaso. Muito pelo contrário. Por
todo o texto sua narrativa aponta para temas claros, pretendendo assim, ensinar
com fatos e diálogos sem necessariamente argumentar nada. Ele repete esse
estilo no livro de Atos dos Apóstolos, onde a história contada se encarrega de
expor seus princípios e percepções[1].
Note
que ele começa estabelecendo um paralelo entre Herodes e Zacarias, ainda que
pareça apenas situar um momento histórico. Herodes, rei da Judéia[2],
Herodes o Grande como ficara
conhecido, foi um rei que forjou seu trono à força. Ele não fora colocado no
trono apenas, mas o conquistou à espada por volta de 37 a.C., após ter sido
permitido-lhe, pelo próprio império romano, constituir um exército para seu
projeto de poder. Já Zacarias, um sacerdote avançado em anos, sem filhos e sem
muitas esperanças, cujos dias passava no ofício sacerdotal, era justo e temente
a Deus, não obstante o infortúnio de não ter gerado descendência. De um lado
poder e orgulho; do outro fraqueza e suplício. E Deus encaminha seu Reino a
partir do desvalido e suplicante. Um sinal não compreendido pela elite
religiosa da época.
Sim,
porque o que Lucas elabora aqui é um excelente pano de fundo para uma questão
espiritual. Ainda que forte e temido, o poder de Herodes é ilegítimo. Não tanto
pela forma como o conquistou, mas porque o reino que Deus estava para
estabelecer, não viria pela força da espada, mas da ação do seu Espírito que
traria a existência o que não existia[3].
Trazendo vida de onde não se esperava, resgatando um povo cujas esperanças por
liberdade já esmaeciam[4].
Ainda
que motivo de súplicas, o desejo e a fé de Zacarias claudicavam. Tanto que, quando
o anjo lhe apareceu anunciando que seria pai, ele não conseguiu crer no que lhe
foi dito. Sou avançado em anos, disse
ele ao anjo, demonstrando entender que suas circunstâncias desfavoráveis
poderiam ser um impedimento para o cumprimento do que lhe fora anunciado. O
anjo então o deixa mudo até o nascimento do filho, em oposição à sua
desconfiança. Em silêncio teve que aguardar o cumprimento da promessa.
E
aqui parece saltar-nos outro ensinamento. A vontade de Deus não se frustra
apesar de nossa eventual desconfiança[5].
Mas a exemplo de Zacarias, ao duvidarmos do cuidado de Deus, perdemos a alegria
de anunciar com os próprios lábios o favor de Deus em nossa vida, deixando
passar a oportunidade de testemunhar por fé o seu resgate. Não é assim que
acontece quando por fraqueza de fé, nos permitimos emudecer pela ansiedade e o
medo da frustração?
Assim
como Isabel, Israel vivia um momento de profunda infertilidade. A nação amargava mais um domínio, agora romano[6].
Havia grande desilusão. Há tempos não havia qualquer movimento que lhes apontasse para
o surgimento de um messias que lhes restaurasse a nação. Viviam um momento de
grande humilhação, assim como humilhante era para Isabel não conceber de
Zacarias para lhe suscitar descendência. Não ser capaz de gerar vida era humilhante para ela. Não ser capaz de cuidar da própria vida
nacional, também era humilhante para o povo judeu[7].
Por isso Isabel considera o aviso de que seria mãe uma dádiva, e como anúncio de sua redenção.
O
interessante nesse caso, é que mais tarde o filho daquele que emudeceu por
desacreditar na boa nova, se tornará
exatamente a voz ouvida no deserto, anunciando a vinda do reino de Deus. O
filho daquele que tivera a voz silenciada por descrer, cheio do Espírito Santo,
anunciará por fé e ousadia, que o Senhor está para resgatar a humanidade de
seus pecados[8].
Arrependei-vos!
Ora,
na introdução de seu evangelho Lucas deixa claro que Deus realiza sua vontade
apesar de toda e qualquer circunstância desfavorável. E mais. É exatamente num
ambiente de total improbabilidade, onde tudo leva a crer no contrário, que o favor
de Deus se manifesta em bondade e misericórdia. É exatamente quando somos
fracos que nos tornamos fortes[9].
É esperando contra a esperança[10],
que aguardamos a ação de Deus em nosso socorro e resgate.
Que
nossa fé não se baseie em garantias oferecidas pela espada e o poder como o de
Herodes, ou por qualquer outra forma de empoderamento humano, quer seja riqueza,
posição social ou favores políticos. Antes, que sejamos confiantes no cuidado e
na providência divina que nos redime sempre, ainda que da mais imprópria
condição. Agindo Deus, quem impedirá?[11]
[1]
Ao adotar a estratégia de narrar os eventos como forma de transmitir
ensinamentos teológicos, Lucas segue uma abordagem narrativa que se alinha com
o estilo literário dos evangelhos e com o contexto da época em que foram
escritos. Aqui estão algumas razões pelas quais ele pode ter optado por essa
abordagem:
1.
Tradição Literária: Os evangelhos eram
uma forma de literatura narrativa comum na cultura da época, destinada a
transmitir tradições e ensinamentos de maneira acessível e memorável.
2.
Auditoria Primária: Muitos dos primeiros
leitores dos evangelhos provavelmente não eram alfabetizados, então a tradição
oral desempenhava um papel importante na transmissão das histórias. Narrativas
vívidas e memoráveis seriam mais eficazes para serem compartilhadas verbalmente.
3.
Contexto Cultural: Na tradição judaica, a
narrativa era frequentemente usada como meio de ensino. As parábolas de Jesus
são exemplos claros desse método de ensino, que se baseia em histórias do
cotidiano para transmitir verdades mais profundas.
4.
Credibilidade e Testemunho: Ao narrar
eventos como testemunha ocular ou baseando-se em testemunhas oculares, Lucas dá
credibilidade aos relatos, especialmente quando se trata de eventos históricos
cruciais, como a vida e os ensinamentos de Jesus e os primeiros dias da igreja
primitiva.
5.
Impacto Emocional: As histórias têm o
poder de evocar emoções e criar conexões pessoais com os personagens e os
ensinamentos apresentados. Isso pode levar a uma compreensão mais profunda e
duradoura do significado por trás dos eventos narrados.
Portanto, Lucas pode ter escolhido essa abordagem
narrativa para alcançar efetivamente seu público-alvo, transmitindo os
ensinamentos teológicos de uma maneira que ressoasse com sua audiência e fosse
facilmente compreendida e lembrada.
[2]
Herodes, o Grande, foi um rei judeu que governou a região da Judeia sob o
domínio romano durante o período do primeiro século a.C. Ele é conhecido por
suas habilidades políticas, sua construção de grandes obras, como o Templo de
Jerusalém, e também por seu governo autoritário e muitas vezes cruel. Herodes
foi nomeado rei da Judeia pelos romanos em torno de 37 a.C. e reinou até sua
morte em 4 a.C. Ele é mencionado em vários relatos do Novo Testamento,
incluindo o nascimento de Jesus, onde sua busca pelo Messias recém-nascido
levou ao massacre dos inocentes.
[3]
Romanos 4:17; Nesse versículo, Paulo está falando sobre a fé de Abraão e como
Deus, em quem Abraão creu, tem o poder de dar vida aos mortos e chamar à
existência coisas que não existem. Isso ressalta o poder criativo de Deus e Sua
capacidade de realizar o impossível.
[4]
Isaías 9:2
[5]
Jó 42:2
[6]
Entre o domínio persa e o romano, houve o domínio grego sobre Israel. Este
período é conhecido como o Período Helenístico, que começou com as conquistas
de Alexandre, o Grande, por volta do século IV a.C. Após a morte de Alexandre,
seu vasto império foi dividido entre seus generais, e a região de Israel acabou
sob o controle dos governantes gregos ptolomaicos no sul e selêucidas no norte.
Este período foi marcado por influências culturais gregas e pelo conflito entre
as dinastias ptolomaica e selêucida pelo controle da região. O domínio
selêucida foi particularmente opressivo e desencadeou uma revolta judaica
liderada pelos Macabeus, que eventualmente levou à independência temporária de
Israel. No entanto, a independência foi novamente perdida com a ascensão do Império
Romano na região.
[7]
Além das cobranças de impostos que causavam empobrecimento, o domínio romano
causava um profundo sentimento de humilhação nos judeus por diversas combinações
de fatores, como:
1.
Perda da autonomia política e religiosa:
Os romanos impuseram seu governo sobre os judeus, privando-os da autonomia
política que desfrutavam anteriormente. Além disso, os líderes religiosos
judeus tinham que cooperar com as autoridades romanas, o que muitas vezes
gerava conflitos de interesses e interferência nas práticas religiosas.
2.
Presença militar estrangeira: A presença
de soldados romanos em solo judeu era constante e muitas vezes opressiva. Isso
era uma lembrança diária da subjugação do povo judeu pelo Império Romano.
3.
Restrições culturais e religiosas: Os
romanos impuseram várias restrições às práticas culturais e religiosas dos
judeus, o que os fazia sentir-se subjugados e desrespeitados em sua própria
terra. Por exemplo, a exigência de prestar homenagem ao imperador romano como
uma divindade era profundamente ofensiva para os judeus, que tinham uma forte
tradição monoteísta.
4.
Desprezo e discriminação: Os romanos
muitas vezes tratavam os judeus com desprezo e discriminação, considerando-os
inferiores. Isso se manifestava em vários aspectos da vida cotidiana, como
acesso restrito a certas áreas da cidade, ocupações desfavoráveis e tratamento
desigual perante a lei.
[8]
João 1:29
[9] 2
Coríntios 12:9-10
[10]
Romanos 4:18
[11] Isaías 43:13

Não podemos duvidar da palavra de Deus.
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