sábado, 6 de fevereiro de 2016

Exercício 5 - Promessa cumprida, silêncio rompido

Por Jânsen Leiros Jr

Revisado e ampliado em 27/05/2024

 

"57 Ao se completar o tempo de Isabel dar à luz, nasceu-lhe um filho 58 Todos os seus vizinhos e parentes ouviram falar da grande misericórdia com a qual o Senhor a havia contemplado e muito se alegraram com ela.

59 No oitavo dia levaram o menino para ser circuncidado, e desejavam dar-lhe o nome do pai, Zacarias. 60 No entanto sua mãe tomou a palavra e afirmou: “Não! O nome dele deverá ser João”. 61 Ponderaram-lhe: “Mas ninguém há entre teus parentes que se chame assim”. 62 Então, através de sinais, consultaram o pai do menino que nome queria que lhe dessem. 63 Ele pediu uma tabuinha e, para surpresa de todos, escreveu: “O nome dele é João”. 64 No mesmo instante sua boca se abriu, sua língua se soltou e ele começou a falar, louvando a Deus. 65 Toda a vizinhança foi tomada de grande temor e por toda a região montanhosa da Judéia se comentavam esses fatos. 66 E aconteceu que todos quantos ouviam falar dessas ocorrências ficavam imaginando: “O que virá a ser este menino?” Pois a boa mão do Senhor estava com ele.

67 Então, seu pai Zacarias foi cheio do Espírito Santo e profetizou:

68 “Bendito seja o Senhor, Deus de Israel, pois que visitou e redimiu o seu povo.

69 Ele concedeu poderosa salvação na casa de Davi, seu servo.

70 Assim como prometera por meio dos seus santos profetas desde a antiguidade.

71 Salvando-nos dos nossos inimigos e das mãos de todos os que nos odeiam,

72 para demonstrar sua misericórdia aos nossos antepassados e recordar sua santa aliança,

73 o juramento que prestou ao nosso pai Abraão.

74 Que nos resgataria da mão de todos os nossos inimigos, a fim de o servirmos livres do medo,

75 em santidade e justiça na sua presença, durante todos os dias de nossas vidas.

76 Tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo, pois marcharás à frente do Senhor, para lhe preparar o caminho.

77 Para proclamar ao seu povo o conhecimento da salvação, mediante o perdão dos seus pecados.

78 E isso, por causa das profundas misericórdias de nosso Deus, através das quais dos céus nos visitará o sol nascente,

79 para iluminar aqueles que estão vivendo em meio às trevas, e guiar nossos pés no caminho da paz”.

80 E o menino crescia e se robustecia em espírito; e viveu no deserto até o dia em que havia de revelar-se publicamente a Israel.

Lucas 1:57-80 - KJA

O nascimento de João foi uma evento de grande alegria para toda a aldeia e moradores daquela região. Antes discriminada por sua infertilidade, Isabel dá à luz surpreendendo a muitos que a consideravam estéril, e incapaz de suscitar descendência a seu marido. Ela havia se ocultado por cinco meses desde a concepção do menino. O motivo não nos é explicitamente declarado, mas talvez preferisse reservar-se a ter que dar maiores explicações, pois certamente não faltariam indagações sobre o ocorrido. Afinal, tal gravidez não podia ser um fato natural. E ela sabia que não era.

Quando porém Maria foi visitar Isabel e toda aquela revelação se descortinou às duas mães, se esta tinha algum medo quanto a sustentação de sua gravidez, ou mesmo dúvida sobre o menino que se formava em seu ventre, certamente essa dúvida de dissipou. Todavia o que se passara na intimidade do lar de Zacarias e Isabel, só foi conhecido quando do nascimento do menino, cujo evento tomou a muitos de surpresa.

Há um detalhe bastante curioso nesse texto. Notem que Zacarias não volta a falar quando do nascimento do filho. Ele sequer pode com os lábios louvar a Deus por sua herança, pois estava emudecido pelo anjo, desde o anúncio de sua concepção, do que duvidara em seu coração, crendo, no fundo, que circunstâncias são mais determinantes e poderosamente impeditivas, do que a poderosa vontade de Deus, que desconhece condições ou barreiras.

Foi então que, na cerimônia de apresentação e circuncisão do menino, em cumprimento è lei e tradições judaicas, principalmente sendo Zacarias um sacerdote, que seus lábios voltaram a pronunciar palavras. Outra curiosidade circunstancial, foi a insistência dos vizinhos e moradores da aldeia para que o nome da criança fosse Zacarias, em homenagem àquele pai que agora emudecido, muito havia suplicado por seu nascimento. Caso suas sugestões fossem acatadas, a promessa do anjo não se cumpriria, e não cumprida Zacarias não teria de volta a possibilidade de falar. Será?

Isabel sabia que o menino, por orientação do anjo deveria se chamar João. E ela avisa às pessoas que ministravam aquela cerimônia. Contra argumentando não haver parente algum com aquele nome que justificasse a possível homenagem, eles desconsideraram a resposta de Isabel e se dirigiram ao pai, autoridade que poderia efetivamente arbitrar no nome do menino. Afinal, mulher não tinha voz naquela sociedade. A surpresa maior ficou por conta da confirmação do nome do menino pelo próprio pai. Seu nome será João. E eu imagino Isabel com ares de vitória dizendo para si mesma ou bem baixinho, não falei?... se me permitem uma ilação criativa.

Ao confirmar o nome do menino, Zacarias realiza o anunciado pelo anjo. Então, como este lhe havia predito, ele volta a falar, louvando a Deus não só pela recuperação da voz, mas por tudo o que Deus lhe havia feito, desde o resgate de sua humilhação. Sim, desde a dúvida em seu coração, que Zacarias não falava, não se pronunciava, não se fazia ouvir. Ou seja, se duvidamos daquilo que Deus nos anuncia, do que é que falaremos? Ou, para o que serve a voz senão para replicar o anúncio da boa nova. Se Israel não acreditava em Deus, de que lhes serviriam profetas e arautos? O silêncio de Zacarias bem pode tipificar o silêncio de Deus imposto a Israel por tantos anos, até que chegasse João[1].

Finalmente falante e pleno de felicidade, Zacarias é cheio do Espírito Santo, e louva a Deus, profetizando o resgate do seu povo, pois seu filho seria aquele que viria à frente do rei de Israel, do ungido de Deus, que livraria seu povo do medo e da opressão. Não percamos de vista que, a exemplo do que vimos falando desde o início, Zacarias fala de uma restauração nacional, de uma libertação do julgo romano. Ele fala da recuperação do orgulho de ser judeu. Sim, vitória concedida por Deus. Porque as questões nacionais eram problemas relacionados a Deus. Afinal, Israel era seu povo e Jeová o seu Deus.

Zacarias, contudo, aponta para um entendimento revelador. Para os judeus a ação de Deus em favor do seu povo estava intimamente ligada e por que não dizer condicionada, ao arrependimento e o perdão dos seus pecados[2]. Ora, Israel havia dado as costas a Deus, não obstante todas as coisas que Deus já lhes havia feito. Sua relação nacional com Deus se condicionava a períodos de infortúnios. O povo se arrependia e Deus os perdoava concedendo-lhes em sequência dias melhores. Então novamente o povo Lhe dava as costas, perdendo-se pelo deserto de suas almas. Arrependei-vos, clamaria João vindo do deserto. Arrependei-vos porque é chegado o reino de Deus.



[1] A presunção de que o silêncio de Zacarias, emudecido pelo anjo, tipifica o silêncio de Deus através de profetas até o surgimento de João Batista é uma interpretação teológica interessante e válida, dentro de uma abordagem tipológica da Bíblia. Vejamos como essa ideia se sustentaria bíblica e teologicamente:

Contexto Bíblico

1.       O Silêncio de Zacarias:

·         Lucas 1:19-20: "Respondeu-lhe o anjo: Eu sou Gabriel, que assisto diante de Deus, e fui enviado para te falar e trazer estas boas novas. Todavia ficarás mudo e não poderás falar até o dia em que estas coisas aconteçam, porquanto não creste nas minhas palavras, que a seu tempo se hão de cumprir."

·         Zacarias, sacerdote do templo, é emudecido como sinal de sua incredulidade quanto à mensagem do anjo Gabriel sobre o nascimento de João Batista.

2.       O Silêncio Profético:

·         Período Intertestamentário: Aproximadamente 400 anos de silêncio profético, entre o último profeta do Antigo Testamento (Malaquias) e o surgimento de João Batista, que é considerado o último profeta do Antigo Testamento e o precursor de Cristo.

Interpretação Tipológica

A tipologia é um método de interpretação bíblica onde eventos, personagens e instituições do Antigo Testamento são vistos como prefigurações ou "tipos" de verdades reveladas no Novo Testamento. Vamos considerar como o silêncio de Zacarias pode ser visto tipologicamente:

1.       Zacarias como Representante do Sacerdócio e da Profecia:

·         Zacarias era um sacerdote e, simbolicamente, seu emudecimento pode representar o fim do antigo sistema profético e sacerdotal, preparando o caminho para a nova revelação em Cristo.

·         O silêncio de Zacarias até o nascimento de João Batista pode ser visto como um período de espera e preparação para a nova era de revelação.

2.       João Batista como a Voz que Quebra o Silêncio:

·         Lucas 1:76: "E tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo; porque precederás o Senhor, preparando-lhe os caminhos."

·         João Batista é identificado como a "voz que clama no deserto" (Isaías 40:3; Mateus 3:3), marcando o fim do silêncio e o início da proclamação do Reino de Deus.

3.       O Silêncio de Deus e a Plenitude dos Tempos:

·         Gálatas 4:4: "Mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei."

·         O período de silêncio pode ser visto como uma preparação divina para a "plenitude dos tempos", culminando no advento de Cristo e no ministério de João Batista, que introduz Jesus.

Considerações Teológicas

·         Incredulidade e Revelação: O silêncio de Zacarias devido à sua incredulidade pode simbolizar a incredulidade e a resistência de Israel durante o período de silêncio profético. A abertura de sua boca no nascimento de João Batista simboliza a renovação da profecia e a revelação divina.

·         Transição de Eras: O emudecimento e posterior fala de Zacarias podem representar a transição da antiga aliança para a nova aliança, com João Batista sendo o elo de ligação entre os profetas do Antigo Testamento e a nova revelação em Cristo.

Sim, é possível e teologicamente defensável presumir que o silêncio de Zacarias tipifica o silêncio de Deus através de profetas até o surgimento de João Batista. Essa interpretação destaca a importância do papel de João Batista como precursor de Jesus e marca a transição crucial na história da salvação, onde o silêncio de Deus é rompido pela proclamação do Reino de Deus.

 

[2] Embora o conceito de que a vinda do Messias estivesse interligada ao arrependimento de Israel fosse amplamente aceito, sua interpretação variava entre os diferentes grupos judaicos. Os fariseus, com sua ênfase na Lei e na tradição oral, esperavam que a observância rigorosa preparasse o caminho para o Messias. Os saduceus, focados no Templo e nas realidades políticas, não enfatizavam tanto uma expectativa messiânica. Já os essênios, com sua busca por pureza e separatismo, aguardavam um Messias que os libertasse da corrupção e da opressão. Cada grupo, portanto, defendia e praticava suas crenças de acordo com suas próprias interpretações e expectativas messiânicas.

O Conceito Messiânico no Judaísmo

a. Esperança Messiânica

·         Contexto Bíblico e Histórico: A esperança messiânica estava profundamente enraizada nas Escrituras Hebraicas (o Antigo Testamento). Profecias como as encontradas em Isaías (11:1-9), Jeremias (23:5-6) e Miqueias (5:2) apontavam para um futuro líder ungido (Messias) que restauraria Israel.

·         Conexão com Arrependimento: Muitos textos proféticos também associam a vinda de um tempo de restauração com o arrependimento e a fidelidade de Israel a Deus. Por exemplo, o livro de Joel (2:12-13) chama o povo ao arrependimento e promete bênçãos futuras.

A Interligação Cultural e Religiosa

a. Arrependimento e Redenção

·         Profecias e Arrependimento: A ideia de que o arrependimento de Israel estava ligado à vinda do Messias tem suas raízes nas profecias. Por exemplo, em Isaías 40:3-5, uma voz clama no deserto preparando o caminho para o Senhor, associada ao chamado ao arrependimento.

·         Literatura Rabínica: Textos rabínicos posteriores também refletem essa crença. O Talmude, por exemplo, menciona que se Israel observar dois sábados consecutivos corretamente, será redimido (Shabat 118b).

b. Prática Religiosa

·         Rituais e Práticas: A observância dos mandamentos, práticas de purificação e sacrifícios no Templo eram vistos como meios de manter a relação com Deus e preparar o caminho para a redenção.

·         Relação com Deus: A crença de que a fidelidade à Lei e o arrependimento atraíam a benevolência divina e preparavam a chegada do Messias era amplamente aceita.

 

Um comentário:

  1. Se duvidamos daquilo que Deus nos anuncia, do que é que falaremos?

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